“Telemóveis portugueses terão rede 5G no próximo ano”
Luís Correia, especialista em telecomunicações do Instituto Superior Técnico, diz que o futuro está a chegar. A rede de telemóveis está quase a dar o salto para uma nova dimensão.
A tecnologia 5G é irreversível. Veio para ficar e terá os primeiros lançamentos comerciais já no próximo ano. Em 2022, será a vez de chegar a grande vaga da “virtualização”, que atualmente ainda não é utilizada de forma verdadeiramente massificada. Quem o diz é Luís Correia, vice-presidente do Instituto Superior Técnico (IST), responsável pela gestão do campus do Taguspark. Professor de engenharia de sistemas e computadores, especialista em comunicações móveis e telecomunicações, é um dos portugueses que melhor conhece o mundo dos telemóveis e a evolução das suas redes. Em entrevista ao Jornal Económico explicou o próximo passo que todo o mercado nacional dará em direção ao 5G. “Logo a seguir, será uma questão de década e meia, virá o 6G”, diz.
Fará sentido falarmos da evolução do 4G para o 5G, em vez de Portugal consolidar o 4G e tornar os sistemas de armazenamento mais estáveis e os aparelhos mais baratos?
Tipicamente cada geração de evolução das telecomunicações tem uma visão muito técnica e que tem muito a ver com as tecnologias que os operadores vão poder colocar nas suas redes – e tipicamente essas tecnologias têm um impacto económico óbvio. O 5G vai trazer muito rapidamente um grande impacto nas redes que ajuda a resolver um pouco o problema dos investimentos económicos. Um dos impactos será causado pelas tecnologias como a cloud [a nuvem], que é basicamente estar tudo colocado nos servidores localizados algures e aquilo que acontece é que o 5G vai permitir mudar a arquitetura das redes, ou seja, mudar o local onde os dados são colocados e onde as nossas chamadas são geridas.
A núvem terá impacto nos preços?
Do ponto de vista das redes, vai permitir baixar imenso os preços. Porque baseia-se tudo em computadores e os computadores estão ao preço da chuva. Isso não vai ter um impacto muito direto nos utilizadores, que não se vão aperceber disso, mas tem um impacto muito direto e grande nos operadores.
Como assim?
Porque vai fazer com que eles possam expandir as redes a custos mais baixos e, inclusive, poupar dinheiro nalgumas arquiteturas e implementações da rede que têm atualmente. Um outro aspeto que também é muito importante – e esse os utilizadores vão poder ver de uma maneira indireta -, é aquilo a que se chama a virtualização das redes. A virtualização das redes é basicamente nós podermos usar a mesma infraestrutura física para colocar vários operadores nessa infraestrutura. Dizendo de outra maneira, são serviços completamente diferentes na mesma infraestrutura física.
E assim, em que pé fica o 5G?
O 5G está a abrir dois novos caminhos que no final têm um impacto nos utilizadores, mas também terá um impacto indirecto que não será sentido pelo utilizador comum. Um deles é trazer a Internet das Coisas [IoT, sigla inglesa], o que está a ser feito com um aumento de capacidade do número de dispositivos que se pode ligar à rede. Daqui a uns anos, podemos imaginar que os botões do meu casaco têm um sensor de comunicação e que o meu cinto tem outro sensor de comunicação, que vai ler o meu batimento cardíaco e outros aspetos de saúde – e esta tecnologia também se utilizará no entretenimento. A IoT permite gerar a integração destes dispositivos todos e, por isso, será preciso aumentar bastante a capacidade das redes.
O mercado tem maturidade suficiente para o 5G?
Quando as operadoras começaram a comprar 4G, um amigo que trabalhava numa operadora dizia-me que esse era um cenário a que eles chamavam de lose-lose situation (em que todos perdem) em vez de ser uma win-win situation (em que todos ganham).
Porquê?
Porque ainda não tinham pago a rede 3G e já estavam a gastar dinheiro na rede 4G, sem ter retorno algum da rede.
Mas também há esse risco com o 5G?
É uma questão económica e financeira. A questão aqui é que a indústria de telecomunicações, com estes ciclos de dez anos de evolução das gerações, tornou-se quase numa indústria de capital intensivo. Já não se trata de investir e deixar o rendimento evoluir, porque a tecnologia evolui tão rapidamente que não permite aos operadores descansarem muito sobre os investimentos que fazem. Mas do ponto de vista tecnológico, a tecnologia está madura. Do ponto de vista do utilizador também está madura – é uma questão de entrar em produção, uma vez que já há protótipos. A parte das redes, de facto, ainda não está madura. Em 2020 espera-se que ocorram lançamentos comerciais dessa tecnologia 5G. Do lado das tecnologias do operador, da virtualização e da nuvem, provavelmente levará mais tempos, talvez para 2022.
Num mercado da dimensão do nosso, dois anos significa o quê em matéria de investimento?
Não sei dizer. Mas as operadoras investem centenas de milhões de euros nesta matéria. Talvez ninguém saiba, ainda, exatamente quanto é que será necessário investir.
Há o risco de com o 5G passarmos a ter uma cobertura de antenas por todo o lado, prejudicial talvez até para a saúde?
Essa é uma noção errada. Os riscos para a saúde, das radiações e das ondas magnéticas vêm de as potenciais serem elevadas. Mas os operadores não têm interesse em usar potenciais elevadas. Ao contrário do que se pensa, os operadores têm interesse em usar potências o mais baixo possíveis, para que a exposição a interferências seja menor. E os operadores não têm interesse em radiar em potências mais elevadas para não interferir com as bandas de frequências de outros operadores. Quando se colocam mais antenas para cobrir estas frequências mais altas e áreas próximas, tem de se baixar as potências de emissão, porque quando se quer cobrir uma área mais pequena, tem de se radiar menos. E se radiar muito há interferência com as antenas mais próximas.
E a estratégia que Portugal seguiu para estabelecer o 5G, com acordos preferenciais de desenvolvimento com os chineses, nomeadamente com a Huawei? É acertada?
Neste momento há três fabricantes a nível mundial que fornecem tecnologia de telecomunicações de forma alargada [para as redes em geral] em Portugal. São eles a Huawei, a Nokia e a Ericsson. Nós fizemos um acordo com o Estado chinês. Para a Huawei é um acordo que não obriga os operadores. Ou seja, o Estado português não tem voto na matéria de poder obrigar os operadores de telecomunicações a escolher este ou aquele fabricante.
Mas uma coisa é Portugal recorrer aos especialistas portugueses, por exemplo, aqui do Instituto Superior Técnico, outra coisa é ir ter com a Huawei que pode trazer engenheiros asiáticos para Portugal…
Portugal é um país pequeno, o que significa que as empresas, sobretudo, as tecnológicas, podem vir para cá apenas com um escritório de apoio a clientes. Na área da tecnologia, a Nokia é a que está melhor estabelecida. A Huawei e a Ericsson, tanto quanto sei, têm um departamento de vendas e apoio ao cliente, sem outra atividade. Caso alguma tenha intenção de se estabelecer e abrir um centro de desenvolvimento tecnológico, isso seria muito bom para o país, como é óbvio.
Qual é o estado da arte das telecomunicações e da qualidade das nossas redes, comparativamente com o resto da União Europeia. Qual é a sua perceção?
Portugal já esteve, claramente, na frente das telecomunicações. Nós temos uma rede de fibra ótica a nível nacional que é uma maravilha. Uma percentagem significativa da população, em áreas urbanas e não só, têm fibra ótica até casa – uma coisa que muitos países desenvolvidas na Europa Central e do Norte não têm. Isto deve-se também ao facto da PT Multimédia se ter separado da PT. A PT Multimédia, que era a TV Cabo, foi concorrente da PT, que tinha deixado ter a TV Cabo, e, por isso, houve uma concorrência muito forte da PT na altura em que teve de fornecer serviços que concorressem com a PT Multimédia, que hoje em dia é a NOS. Isso fez que houvesse grandes investimentos por parte da PT, originalmente, para poder fornecer os serviços de televisão por cabo e Internet.