‘Killer Contents’: a moda que todos seguem
Operadoras de telecomunicações apostam em conteúdos diferenciados, mas analistas afirmam que o foco já não está apenas no pacote, mas sim no preço dos serviços de subscrição.
O setor das telecomunicações é um dos mais competitivos a nível mundial e uma das formas de diferenciação das operadoras reside na oferta de conteúdos premium nos seus pacotes de serviços subscritos. Em Portugal, o cenário não é diferente e, por isso, “a estratégia das operadoras parece cada vez mais apontar para uma aposta em conteúdo exclusivo como fator de diferenciação”, explicou ao Jornal Económico o head of sales da corretora XTB, Eduardo Silva.
Porquê? “A oferta de pacotes de serviços unificados mudou o foco da estratégia empresarial para o conteúdo em detrimento do canal de distribuição”, respondeu.
Desde de 2015, quando a Netflix chegou a Portugal que os chamados killer contents passaram de um cenário “lá fora” para a realidade nacional. A plataforma over-the-top (OTT), que é sobretudo um serviço de filmes e séries online por assinatura, independente dos operadores de televisão, levou o mercado televisivo a ver novos conteúdos. E as telecomunicações foram arrastadas nesta onda.
Em 2015, entrou pela mão da Vodafone Portugal. Mas hoje, a Netflix, além da sua plataforma OTT, pode ser associada a qualquer um dos pacotes oferecidos pelos operadores com atividade em Portugal. No fundo, a Netflix serviu para abriu as portas no mercado português, onde cada vez mais pessoas já têm pacotes que combinam televisão paga e Internet.
Quatro anos volvidos, o mercado das telecomunicações vê-se desejado pela Eleven Sports, que chegou no último verão e tem provocado uma verdadeira cisma no setor, e pelo gigante da TV norte-americana que é a HBO. Os casos da Netflix, Eleven Sports e HBO revelam, ainda, que são os conteúdos desportivos e de ficção cinematográfica ou televisiva que mais oferta diferenciada proporcionam aos operadores.
O caso da Eleven Sports é revelador dessa cobiça. É que os direitos desportivos, as licenças e a produção de conteúdo próprio associado aos direitos de transmissão permite angariar e fidelizar clientes. É isso que define um killer content – capacidade diferenciada de angariar e fidelizar. “É essa a tendência a nível mundial”, afirmou Eduardo Silva.
“Em Portugal, é mais visível no desporto. A parceria entre a Eleven e a Nowo espoletou fortes divergências no setor e, ainda hoje, não existe acordo para partilhar conteúdos com outras operadoras. Basta referir os direitos de transmissão da liga dos campeões para justificar interesse”, prosseguiu. Hoje, Altice Portugal, Nos e Vodafone negoceiam com a Eleven Sports para poder adicionar a grande rival da Sport TV (que é detida pelas três operadoras), como forma de não perder clientes e até ganhar mais. À Eleven Sports interessa chegar a todo o território português, algo que não é possível apenas com a Nowo.
A HBOé o caso mais recente de novos formatos e conteúdos a entrar no mercado nacional. Já tem escritório em Lisboa e uma equipa estabelecida. A plataforma HBO Go, que é no fundo um repositório dos conteúdos de ficção do canal norte-americano, deverá iniciar atividade no mercado nacional ainda este ano, com uma plataforma OTT mas também associada diretamente a uma das operadoras de telecomunicações.
No mundo das OTT – um formato independente da TV tradicional -, Portugal já conta com Netflix, Amazon Prime, NPlay da NOS e Fox Play da Fox. A tendência é que este formato cresça, em linha com os últimos dados da Anacom.
“No primeiro semestre de 2018, 8,1% dos indivíduos com 10 ou mais anos tinham subscrito serviços de vídeo streaming on demand (i.e., Netflix, Fox Play, NPlay ou Amazon Prime Video), mais 3,6 pontos percentuais do que no mesmo período do ano anterior”.
“O foco é o conteúdo,mas também os preços”
Segundo o analista da XTB, para as operadoras “o foco é o conteúdo mas também os preços, descontos, oferta de descontos em cinemas ou outras lojas, ou mesmo descontos em aparelhos electrónicos”. No que respeita à oferta de conteúdos, Eduardo Silva sublinhou que “a tentação de fidelizar milhares de clientes através de conteúdos exclusivo é clara e evidente”.
Estes conteúdos são ou não decisivos para as operadoras? O analista da Patris Corretora Albino Oliveira, por sua vez, referiu ao Jornal Económico que “as principais operadoras de telecomunicações colocam já à disposição dos seus clientes uma vasta oferta em termos de conteúdos, sendo cada vez mais difícil encontrar algum conteúdo que possa servir de elemento diferenciador.”
“A diferenciação entre operadoras poder-se-á muitas vezes fazer via planos de preços existentes, com o objetivo de abranger os vários segmentos de clientes ou através dos equipamentos incluídos nos serviços colocados à disposição dos clientes”, argumentou.
Neste cenário, o mercado português, onde se verifica uma “elevada convergência [televisão, Internet, telefone] e penetração do Pay-Tv”, Albino Oliveira explicou que o que é decisivo para as operadoras é a transição do cabo para a fibra, “com o objetivo não só de melhorar a qualidade do produto, mas também de aumentar o tipo e diversidade da oferta de conteúdos colocados à disposição da base de clientes”. A que se soma o 5G, cujo investimento na área móvel é importante para as operadoras.
No domínio dos conteúdos, resta saber como vai evoluir o mercado. “Num mercado competitivo, será difícil encontrar melhor conteúdo de diferenciação do que o futebol em Portugal”, resumiu Eduardo Silva. Já Albino Oliveira, acredita que essa questão poderá colocar-se em como e até que ponto “as operadoras de telecomunicações não irão caminhar no sentido de se transformarem em fornecedoras de serviços digitais (cloud, apps, conteúdos, plataformas de transmissão e gestão de dados), em vez de serem apenas detentoras da rede de infraestruturas. De certa forma é o que já está a acontecer, mas o processo poderá desenvolver-se ainda mais, acompanhando as possibilidades fornecidas pela melhoria da tecnologia”.