Deputado do PS critica ministro das Finanças. “Há dois Mários Centenos”
Deputado desalinhado admite que Mário Centeno tem duas caras, no Eurogrupo e no Governo, mas podem ser conciliáveis. Critica estratégia de défice zero e diz que nova geringonça só com acordo escrito.
É o deputado socialista que mais vezes vota contra o sentido de voto da sua própria bancada. Catedrático do ISEG, é também um dos autores do cenário macroeconómico que Costa levou às eleições. Mas, em entrevistaao jornal Público e Rádio Renascença, Paulo Trigo Pereira critica estratégia de Mário Centeno de rápida redução do défice e diz que Comissão Europeia vai ter de aceitar a derrapagem do défice italiano, o que pode ser bom para Portugal. Sobre Mário Centeno ministro e Mário Centeno presidente do Eurogrupo, Trigo Pereira admite que há duas versões da mesma pessoa, embora diga que as duas versões podem ser conciliáveis.
“Há dois Mários Centenos, o líder do Eurogrupo e o ministro das Finanças. Agora, eu acho que é possível conciliar os dois Mários Centenos. E a conciliação possível, que beneficiaria a Europa e não só Portugal, é solicitar que os países tenham objetivos para as finanças públicas razoáveis”, diz, defendendo que o facto de Itália se preparar para derrapar o défice pode ser útil a Portugal. “O positivo é que nas negociações à escala europeia temos toda a legitimidade de dizer: ‘Ó meus amigos, então vocês aceitam — porque vão ter que aceitar — este défice italiano de 2% e estão aqui a exigir a Portugal ter um excedente primário de quase 4%?”, atira.
Para o deputado socialista, o governo não tem de ir além do défice previsto de 0,2% do PIB sem medidas extraordinárias. Afirmando que não concorda com a política de défices zero, Trigo Pereira diz que “se o objetivo de médio prazo para as finanças públicas continuar a ser o que está agora,que é de mais 0,25% do PIB, temos que continuar a apertar o cinto até 2022-2023. “Já chegámos ao limite da redução do défice que é perfeitamente sustentável do ponto de vista da dinâmica das finanças públicas e da dinâmica da dívida pública. Nós não precisamos de continuar a apertar, apertar, apertar o cinto”, diz.
Questionado sobre uma repetição da “geringonça”, Paulo Trigo Pereira diz que é possível, mas só com acordo escrito sob pena de se partir a meio. “Agora toda a gente dá por adquirido que a ‘geringonça’ se pode repetir, mas não é preciso assinar nenhum papel. Eu sou completamente contra! Se não houvesse papel assinado, a ‘geringonça’ tinha caído a meio deste mandato. Não tenho dúvidas sobre isto. Se a ideia é que caia na próxima legislatura, então não assinem papéis. Se querem que dure, assinem”, diz.
Já sobre o trabalho que é desenvolvido no Parlamento (é deputado desde 2015), diz que se faz “muita coisa” mas “trabalha-se pouco no Parlamento”. Ou seja, os resultados produzidos e a eficácia do trabalham ficam muito aquém. “Eu distingo a palavra atividade da palavra trabalho. O trabalho é algo que produz resultados. Faz-se muita coisa, audições, relatórios, etc. mas a eficácia disto é muito pequena, porque os deputados em geral dedicam muito pouco tempo ao Parlamento”, diz na mesma entrevista.