Bancos deram crédito de risco porque sabiam que iriam ter dinheiro do Estado
Estudo divulgado pelo BCE conclui que bancos portugueses canalizaram o crédito para devedores de risco.
O Estado português assumiu custos de mais de 17 mil milhões de euros em dez anos para salvar bancos. E a disponibilidade do Tesouro em resgatar o setor é uma das possíveis explicações para a concessão de crédito de alto risco a empresas por parte dos bancos portugueses. Essa é uma das conclusões de um estudo divulgado esta semana pelo Banco Central Europeu (BCE) que analisa a atuação dos bancos portugueses em 2011 e 2012, antes da Autoridade Bancária Europeia (EBA) lhes exigir mais capital.
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O relatório, que não reflete necessariamente a perspetiva do BCE, indica que “o esperado resgate pelo Governo português pode ter dado aos bancos o incentivo de jogarem com a sobrevivência de empresas em dificuldades”.
O estudo nota que os bancos não assumiam nos seus balanços todas as perdas que estavam a sofrer com empréstimos em incumprimento por parte das empresas. E que, em vez de reconhecerem esses prejuízos, aumentaram a parada. Deram mais crédito a empresas em dificuldades em vez de canalizarem os empréstimos para empresas mais saudáveis.
“Demonstramos que os bancos afetados pelos novos requisitos [da EBA] responderam com uma redução do montante geral de crédito mas, mais importante, também pela canalização de mais crédito a empresas com problemas financeiros e em que as perdas de crédito não estavam totalmente refletidas nos balanços”, indica o estudo.
Essa estratégia pode ser explicada, segundo o estudo, como uma forma de adiar o reconhecimento de perdas adicionais que iriam comer mais capital. Ou seja, cortar crédito a uma empresa que estivesse a incumprir e em que o banco não tinha reconhecido essas perdas criava “o risco de pressionar essa empresa para a insolvência”. Caso isso acontecesse, os bancos teriam de realizar “perdas pesadas”.
FATURA NÃO ESTÁ FECHADA
O estudo conclui que a ajuda prometida pelo Estado à Banca foi um incentivo a esse tipo de atuação. “Os bancos afetados anteciparam que, desde que fizessem uma tentativa credível de cumprir com os requisitos da EBA, o Governo português entraria com o capital em falta”, refere o BCE.
Mas as perdas não ficaram circunscritas a 2012. Desde 2010 até 2017, o Estado assumiu todos os anos perdas com as ajudas a bancos. No total, as contas públicas ressentiram-se em 17,5 mil milhões, segundo os dados mais recentes do Eurostat. E, apesar do programa de resgate ter terminado em 2014, desde esse ano o Estado assumiu mais 13 mil milhões de euros de despesa para o setor financeiro. O presidente do Tribunal de Contas avisou, numa entrevista ao “Negócios”, que a fatura deverá continuar a subir, já que em 2018 houve mais dinheiro para o Novo Banco.
Citações do estudo
“Quando as perdas se tornam empréstimos”
“Os bancos anteciparam que, desde que fizessem uma tentativa credível de cumprir com os requisitos, o Governo português entraria com o capital”
“Os bancos canalizaram mais crédito a empresas com problemas financeiros e em que as perdas não estavam refletidas nos balanços”
“O esperado resgate pelo Governo português pode ter dado aos bancos o incentivo de jogarem com a sobrevivência de empresas em dificuldades”