Alcácer do Sal: se não chove, as barragens não enchem e quem paga a fatura da água mais cara são os produtores de arroz
Os produtores de arroz são os mais afetados pela falta de água nas barragens de Vale de Gaio e Pego do Altar, em Alcácer do Sal, e ainda têm de suportar custos acrescidos pelos transvases da barragem do Alqueva.
O problema não é novo nas duas barragens do vale do Sado, que apresentam um nível de armazenamento abaixo dos valores mínimos razoáveis, e já levou a que nos últimos anos tivessem sido dados alguns passos para permitir recargas a partir da grande barragem do Alqueva, o maior lago artificial da Europa.
No ano passado, a falta de água no Pego do Altar foi ainda mais evidente do que este ano e deixou visível uma ponte submersa há 18 anos, mas basta olhar agora para as marcas do nível da água nas duas margens para se perceber que a capacidade de armazenamento da barragem, e também na de Vale de Gaio, continua muito aquém do que é necessário para a atividade agrícola e, principalmente, para a cultura do arroz naquela região alentejana.
Neste momento já é possível fazer recargas da barragem de Vale de Gaio a partir do Alqueva e está também prevista uma ligação para permitir a recarga da barragem do Pego do Altar, mas, para agricultores como José Emídio, além de se resolver o problema da falta de água, é preciso resolver o problema do preço.
“Temos tido sempre alguma dificuldade no abastecimento de água, porque a água é reduzida. Já temos tido limites na quantidade de água para regar. E se tivermos o azar de ultrapassar esses limites, [a campanha] termina por ali, porque não há água suficiente”, reconhece José Emídio.
Agora, diz, com o abastecimento do Alqueva, através dos transvases para Vale de Gaio, já há disponibilidade de água, mas esta é mais cara, o que afeta e muito a produção de arroz.
“Em termos de preços, a água proveniente do Alqueva pode ser mais cara 12 a 13 cêntimos por metro cúbico”, lembra, salientando que este agravamento do preço da água, que pode significar um encargo adicional de cerca de 1.000 euros numa campanha, constitui “um valor significativo para os agricultores, que não conseguem vender o arroz a mais do que 60 cêntimos”.
Embora tenha uma produção anual de 90 a 100 toneladas, José Emídio garante que, depois de devidamente escolhido, o arroz para venda não ultrapassa as 60 toneladas, pelo que qualquer agravamento de custo dos fatores de produção vai reduzir drasticamente as margens de lucro já muito estreitas dos pequenos e médios agricultores.
Pior estão os agricultores junto à barragem do Pego do Altar, que ainda não tem ligação à barragem do Alqueva.
O coordenador da Associação de Regantes e Beneficiários do Vale do Sado (ARBVS), Gonçalo Faria, aponta a ligação para recargas da barragem do Pego do Altar como uma prioridade para os agricultores da região.
“É preciso finalizar ou concretizar a ligação do Alqueva ao Pego do Altar, que, pelo sabemos, é um projeto do Programa de Desenvolvimento Regional 20/30″, afirma Gonçalo Faria, sublinhando que a ARBVS também já tem duas candidaturas aprovadas, uma de 16 milhões de euros e outra de nove milhões, para a reabilitar os canais de rega e melhorar a distribuição de água a centenas de produtores agrícolas.
A Associação de Agricultores do Distrito de Setúbal (AADS) considera a situação atual nas barragens do Pego do Altar e Vale de Gaio “muito grave, porque as reservas de água estão muito em baixo”, e defende que a água disponível no Alqueva possa ser utilizada em benefício dos agricultores, tendo em conta as necessidades da cultura do arroz.
“Cabe ao Estado português fornecer água em alta, em igualdade de circunstâncias a todos os agricultores”, afirma Joaquim Manuel Lopes, técnico da AADS, acrescentando que “a única solução é o Estado português assumir a distribuição da água em alta, e ao mesmo preço, a todos os agricultores, estejam em Viana do Castelo ou no Algarve”.
Especialista em Hidráulica e Recursos Hídricos, o docente da Escola Superior de Tecnologia do Barreiro (do Instituto Politécnico de Setúbal) Nélson Carriço reconhece que é difícil reduzir consumos de água na produção de arroz, mas lembra que há outras culturas que podem utilizar sistemas de rega mais eficientes, com menor consumo de água.
“Do ponto de vista dos recursos hídricos, da disponibilidade de água, o que podemos fazer é ser mais eficientes na utilização do recurso, ou seja, ter agricultura com sistemas de rega mais precisos. Existem outras culturas que podem ter sistemas de rega mais eficientes”, sublinha o docente.
Confrontado com a situação de outros rios portugueses, designadamente com a diminuição de caudais no rio Tejo, Nélson Carriço afirma que não estão a ser respeitados os caudais mínimos previstos na Convenção de Albufeira, que estabelece um conjunto de regras para a gestão das bacias hidrográficas de rios internacionais que atravessam os dois países da península Ibérica.
“Nós somos um país de jusante, ou seja, a água vem de Espanha. E Espanha controla o caudal que entra para Portugal. Obviamente que na Convenção de Albufeira estão previstos os caudais mínimos, mas, muitas vezes, no verão, esses caudais mínimos não são verificados, ou seja, há uma violação clara dos acordos. Obviamente que o Governo português pode sempre intervir junto do Governo espanhol, chamar a atenção, mas o que tem acontecido recorrentemente é a violação dos caudais [mínimos] do Tejo”, acrescenta.
O docente do Instituto Politécnico de Setúbal recorda ainda que a redução dos caudais no Tejo já levou um conjunto de agricultores de Santarém a apresentar um projeto – Médio Tejo – que poderia ajudar a minimizar o problema, porque iria aumentar a capacidade hídrica através da construção de alguns açudes. Contudo, também suscita algumas questões ambientais.