A classe média está a ser espremida e precisa de ser ajudada, diz a OCDE
Organização diz que o custo de vida tem aumentado, com destaque para a habitação, mas os salários estão praticamente estagnados. Portugal não é exceção e a classe média-baixa foi a que mais sofreu com a crise
O nome do mais recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE), divulgado esta quarta-feira, diz quase tudo: “Sob pressão: a classe média em declínio”. No documento, faz-se um retrato sombrio: apesar de uma classe média robusta ser sinónimo de prosperidade, este grupo tem perdido influência e rendimento, em contraste com o grupo dos mais ricos. Portugal não é exceção e, no grupo dos 36 membros da OCDE, é mesmo um dos países em que se registou maior risco de uma descida para a classe baixa, no período entre 2007 e 2015.
Vamos por partes. Primeiro, sobre o peso da classe média, os números mostram que esta já não é, de forma tão clara, a força motriz da economia. Em meados dos anos 1980, os rendimentos globais deste setor eram quatro vezes superiores aos da classe baixa e agora apenas os triplicam. “Entretanto, os grupos com rendimentos mais altos continuam a concentrar riqueza”, analisa Gabriela Ramos, directora da OCDE, no prefácio do relatório, em que sublinha que os 10% mais ricos acumulam quase metade do rendimento e os 40% mais pobres representam apenas 3%. Tão ou mais preocupante: o fosso está a alargar-se.
Para esta erosão da classe média contribui não só o crescimento residual do rendimento disponível (nos últimos anos é, na média da OCDE, de apenas 0,3%, quando entre meados dos anos 1980 e 1990 era de 1% e, nos 10 anos seguintes, 1,6%), mas também o aumento do custo de vida. Os destaques vão para a habitação – em meados dos anos 90 consumia apenas um quarto do rendimento disponível e agora já vai num terço – e a educação.
Mas o que é afinal a classe média? Este grande grupo, que se pode subdividir, inclui as famílias que auferem entre 75% e 200% da média de rendimento anual do respetivo país. Isto quer dizer coisas muito diferentes: o limiar inferior vai dos 3757 aos 26.482 euros e o superior dos 10.019 aos 70.620 euros, estando no extremo mais pobre o México e no mais rico o Luxemburgo. Portugal está no 25.º lugar da tabela (9854 e 26.278 euros, respetivamente).
A crise financeira mundial de 2007-08 teve um impacto elevado neste grupo. Em Portugal, mais de metade das pessoas na classe média baixa (os que ganham entre 75% a 100% da média de rendimento) perderam 20% ou mais do seu rendimento anual entre 2007 e 2015, enquanto na classe média (100% a 150%) e média-alta (150% a 200%) o impacto foi menor (33,6% e 32,9%, respetivamente). Em relação ao risco de cair na pobreza após quatro anos, no mesmo período, Portugal apresenta valores apenas superados por Estados Unidos, Estónia e Letónia, com percentagens de 12,8% na generalidade da classe média e de 22,1% na classe média-baixa.
O ELEVADOR SOCIAL ESTÁ AVARIADO
As perspetivas da classe média como um porto seguro e a partir do qual se podem proporcionar melhores condições de vida aos filhos está posto em causa. Em mais de um em cada cinco lares gasta-se mais do que aquilo que se ganha e uma em cada três pessoas é “economicamente vulnerável”, mesmo em países com sistemas de proteção social avançados. A revolução tecnológica também põe em risco a sua viabilidade: um em cada seis assalariados podem ver o seu trabalho substituído por máquinas num futuro próximo.
E medidas? Para a OCDE, estes desequilíbrios têm promovido os extremismos e fenómenos como os coletes amarelos, em França. Assim, os Governos têm que “ouvir as preocupações das pessoas e proteger e promover o nível de vida da classe média”, exorta Ángel Gurría, secretário geral do organismo. Os Governos devem fomentar o acesso a serviços públicos de grande qualidade e proporcionar melhor proteção social. Para aliviar o custo de vida, deve encorajar-se a habitação a preços controlados, apoio aos empréstimos e alívio fiscal aos compradores de casa na classe média-baixa. Deve igualmente haver investimento em educação vocacional e formação profissional para contrariar o desemprego.