Violência doméstica. Este ano já morreram 16 mulheres
Femicídios voltam a aumentar. Só duas das vítimas tinham apresentado queixa contra os companheiros
Nos primeiros seis meses deste ano, 16 mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica – quase tantas como as que morreram de forma violenta durante todo o ano passado (20) e mais quatro do que no primeiro semestre de 2017, quando se registaram 12 casos. Pela primeira vez desde que o fenómeno é estudado, as armas mais usadas pelos agressores foram facas.
“É obviamente uma realidade preocupante”, admite ao i a coordenadora do Observatório de Mulheres Assassinadas da associação União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), que se dedica a estudar os femicídios há 14 anos. Até porque, explica Elisabete Brasil, desde 2014 que as estatísticas estavam a cair, tendo passado de 45 casos para 30 em 2015, 22 em 2016 e 20 no ano passado.
No último relatório intercalar, divulgado recentemente, o observatório conclui que das 16 mulheres que perderam a vida de forma violenta desde janeiro, 11 mantinham “relações de intimidade” com o homicida – que era marido, companheiro ou namorado. Só num caso o agressor era um ex. Em quatro situações, tratou-se de filhos que mataram as mães.
As histórias de Angelina, Céu, Margarida, Marília, Vera, Silviana, Nélia, Maria, Albertina, Maria de Lurdes, Ana, Arminda, Margarida C., Etelvina, Olga e Ni têm outros pontos em comum. A começar pelas idades. À semelhança de anos anteriores, boa parte das vítimas (seis, das quais cinco estavam já reformadas) tinham mais de 65 anos. A segunda faixa etária mais representativa é a dos 36 aos 50 anos, com cinco casos registados.
Porém, e ao contrário dos últimos relatórios, a arma de fogo não foi a mais usada para o cometimento dos homicídios. Segundo as informações recolhidas pela UMAR, metade (oito) das mortes aconteceram com recurso a armas brancas – como facas. Registaram-se ainda três situações de agressões com objetos e duas mortes por asfixia. Só num caso o agressor usou arma de fogo e outra das vítimas foi queimada pelo homicida.
O último relatório da UMAR revela, por outro lado, que só um crime ocorreu na via pública. Todos os outros aconteceram no interior da casa da vítima. “No femicídio, a casa é o local escolhido pelos homicidas para executarem as mulheres. Constata-se assim, tal como noutros contextos de violência na intimidade, que a casa continua a ser o espaço que oferece mais perigo para as mulheres”, avisa o Observatório de Mulheres Assassinadas.
Entretanto, oito dos homicidas ficaram em prisão preventiva a seguir ao crime, enquanto quatro se suicidaram logo a seguir. O relatório revela também que as 16 mulheres mortas pelos companheiros desde janeiro deixaram 14 filhos órfãos, sendo nove filhos comuns da vítima com o agressor e cinco filhos só das vítimas.
Por outro lado, só em dois casos havia processos de violência doméstica já a correr. Ainda assim, ressalva Elisabete Brasil, em algumas situações havia violência prévia que era conhecida “por familiares, amigos ou vizinhos”. E boa parte dos agressores “exerciam anteriormente, sobre as vítimas, estratégias de poder e controlo” como “violência, intimidação, abuso ou uma escalada” que culminou no homicídio.
No ano passado, 20 mulheres foram assassinadas em contexto de violência doméstica e intimidade. E desde 2004, altura em que o Observatório de Mulheres Assassinadas começou a recolher informação sobre o fenómeno, o número de mulheres mortas em Portugal ascende a 491. Mais de metade (298) foram assassinadas por maridos, companheiros ou namorados. E, em 110 casos, os homicidas eram ex-maridos, ex-companheiros ou ex-namorados. As estatísticas globais revelam que os meses de julho, agosto e setembro são aqueles em que se registam mais homicídios em contexto de intimidade e de violência doméstica.