Governo apresenta hoje conclusões de grupo de trabalho sobre plásticos. Poluição por sintéticos é “calamidade mundial”
No tempo que o leitor demora a ler estas palavras mais 57 quilos de plástico foram produzidos no planeta. A equação faz-se assim: a primeira frase do texto lê-se em seis segundos e, a cada segundo que passa, fabricam-se em média 9,5 quilos de resinas sintéticas moldáveis no mundo. É um poluente que está a gerar cada vez mais atenção global. E dentro de portas.
O governo português vai apresentar hoje um pacote de iniciativas para reduzir o impacto da poluição que os compostos sintéticos criam. “Até 2021 Portugal vai ter um sistema de incentivos para quem reciclar estes materiais”, diz ao DN o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, antecipando o relatório do grupo de trabalho sobre plásticos, que a Agência Portuguesa do Ambiente torna nesta manhã público na Fundação Calouste Gulbenkian.
“Uma das principais medidas é a instalação de unidades de recolha em pontos de grande venda de plásticos, como os supermercados. O peso que o consumidor entregar será depois convertido em senhas de compras nesses mesmos estabelecimentos.”
Campanha em marcha
Carlos Pinto acredita que fazer circular a economia do plástico depende essencialmente dos cidadãos. “Ao contrário de outros poluentes, este está mais dependente dos produtos de uso pessoal do que das grandes indústrias, por exemplo.” São afinal embalagens e garrafas, pratos e talheres, palhinhas e cotonetes os grandes responsáveis pela nódoa ecológica mundial.
“É por isso que vamos lançar uma grande política de educação ambiental e sensibilizar a população para este problema específico”, diz o governante. Não aponta uma data específica mas diz que a medida vai arrancar “a breve trecho”.
“Não é assim tão difícil usarmos as alternativas, basta mentalizarmo-nos para elas.” Um exemplo? “Há milhares de reuniões e conferências neste país. Em vez de usarmos garrafas de plástico nas salas das empresas porque não um jarro e copos?”
Águas, refrigerantes, restaurantes
Amanhã, o governo vai também assinar protocolos com três organizações que considera essenciais para resolver o problema do plástico: Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais Naturais e de Nascente (APIAM), Associação Portuguesa de Bebidas Refrescantes não Alcoólicas (Probeb) e Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
“O objetivo, por um lado, é aumentar a recolha de embalagens junto de produtores e distribuidores. Mas também queremos ensaiar alguns projetos-piloto que possamos replicar no futuro.”
No caso das águas e dos refrigerantes há uma ideia que Carlos Pinto quer aplicar. Que, em vez de ter um plástico para a garrafa, outro para a tampa e outro para o rótulo, tudo seja reduzido a um único composto, para simplificar o tratamento dos resíduos.
Na restauração o desafio é trazer de volta o vidro para as mesas, criar um guia de boas práticas e oferecer isenções fiscais a quem utilizar materiais reciclados. “Para aquilo que não conseguirmos substituir teremos outras soluções como o ecodesign. Reaproveitar os materiais e torná-los objetos utilitários.”
A urgência da recolha
Susana Fonseca, que acompanha as políticas do plástico na Zero – Associação Sistema Terrestre sustentável, diz que, apesar de Portugal não estar na lista dos piores poluentes, há uma medida urgente que o país tem de aplicar. “É urgente melhorar os sistemas de reciclagem e isso só se consegue se o fizermos porta a porta.”
Para exemplificar aquilo de que fala, usa uma ilha no meio do Atlântico. “Existem dois municípios nas Flores: Lajes e Santa Cruz das Flores. O primeiro tem 1504 habitantes e recolha de lixo diferenciado porta-a-porta, o segundo tem 2289 habitantes e um modelo de recolha de recicláveis baseado nos ecopontos.”
Cada cidadão das Lajes separa 93 quilos de recicláveis quando os números médios na Região Autónoma do Açores são de 41 quilos por habitante. “É mais de duas vezes a média. Isto significa que a solução dos ecopontos está esgotada e, se queremos resolver o problema do plástico, temos de seguir este caminho.”
Carlos Martins não descarta essa ideia. “Este grupo de trabalho sobre plásticos identificou muito bem os municípios onde se está a trabalhar melhor na separação e percebemos de facto que a recolha seletiva porta-a-porta é uma solução importante.” O secretário de Estado do Ambiente admite que, agora que os dados estão analisados, o governo tem a obrigação de incentivar as câmaras a aplicar esse modelo. Mas, pelo menos por agora, não avança com qualquer medida.
O estado da arte
Segundo o Eurostat, Portugal contribuiu para a fatura do desperdício de plástico global com 370 toneladas anuais – uma média de 31 quilos por pessoa. É um número acima da média europeia, mas muito longe dos países do Sudeste Asiático, nomeadamente da China. Nos últimos anos, o governo de Pequim começou a impor medidas sérias para reaproveitamento destes materiais. O país produz 23,2% do plástico mundial, mais do que a Europa toda junta (22%).
A produção anual mundial, 300 milhões de toneladas, pesa mais do que toda a população terrestre. Só 10% desta produção é reciclada. “Cem anos depois da invenção deste produto, estamos à beira de uma calamidade mundial”, dizia há dias o jornal britânico The Guardian.
Preocupada com os efeitos de plástico e microplástico, a ONU lançou uma campanha global com o nome If You Can”t Use It, Refuse It (Se não podes usar, recusa). No site sobram exemplos de reutilizações de plásticos que estão a mudar o mundo. Desde mochilas na Coreia a ponchos no Peru, com passagem pela cadeia de supermercados holandesa Ekoplaza, que decidiu substituir todas as embalagens de plástico dos seus produtos por materiais biodegradáveis.
Por cá, entre muitas, uma medida festivaleira: o Rock In Rio anunciou que fará descontos a quem utilizar copos descartáveis.