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Silves. Aproximação das chamas lança alerta no governo e na Proteção Civil

O dia de ontem foi marcado por diversas reuniões entre responsáveis políticos e operacionais. Até Marcelo Rebelo de Sousa falou com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita

A chegada das chamas que lavram desde sexta-feira na serra de Monchique à aldeia de Enxerim, às portas de Silves, lançou ontem o alerta entre as autoridades e o governo, que redobraram os contactos entre si para fazer face à progressão das chamas. Perante o perigo, foram mesmo marcadas diversas reuniões entre responsáveis políticos e operacionais, tendo o primeiro-ministro estado em permanente contacto com o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Também o Presidente da República, que decidiu estar a acompanhar a situação em Lisboa, manteve contactos telefónicos com Eduardo Cabrita, depois de na quarta-feira ter falado com o primeiro-ministro.

A aproximação do incêndio de Silves aconteceu depois de horas antes as autoridades consideravam que a evolução estava a ser favorável – ainda que se previsse o risco de as condições meteorológicas poderem agravar o cenário.

Quando, à tarde, o céu de Enxerim começou a ficar negro, soarram todos os alarmes e os militares da GNR foram obrigados a deslocar os habitantes, muitos contra a sua vontade. Vários moradores tentaram manter-se nas suas habitações, havendo até os que subiram aos telhados para evitar a retirada por parte das autoridades. A forte nuvem de fumo provocou o desespero dos populares, alguns deles muito críticos das opções que os bombeiros e a Proteção Civil têm tomado – e que segundo as palavras de António Costa se resumem a salvar as pessoas.

Apesar disso, nas ruas de Enxerim, muitos moradores revoltados perguntavam mesmo: “Como foi possível chegar até aqui?”

O ponto da situação “Ainda temos vários dias pela frente até o incêndio ser extinto.” Foi este o aviso deixado ontem pelo primeiro-ministro – seis dias depois de as chamas começarem a lavrar em Monchique, no Algarve – na primeira declaração que fez ao país desde o início do fogo. Durante a manhã de ontem, António Costa presidiu à reunião da Proteção Civil e explicou ainda – usando uma analogia – que “a vela de um bolo de aniversário todos nós o apagamos com um sopro, mas quando a chama se alarga e os incêndios ganham uma escala com esta dimensão, não basta os sopros nem alguns dias de trabalho”.

Ainda assim, o primeiro-ministro mostrou-se positivo, defendendo que o incêndio de Monchique é “a exceção que confirmou a regra do sucesso da operação” que tem vindo a ser desenvolvida para combater as chamas. “A capacidade que o país tem hoje de prever as situações de risco foi demonstrada ao longo dos últimos dias […] Das mais de 582 ignições só tivemos 16 incêndios, e, desses, só este ter concentrado a atenção quer da comunicação social, quer das autoridades, demonstra que o sistema respondeu”, acrescentou ainda.

Num dia que ficou marcado pelo reforço dos meios pela manhã – com mais de 1440 bombeiros, 447 veículos e 13 aeronaves no terreno –, o número de vítimas tem-se mantido, desde terça-feira, estável: há registo de 32 feridos, estando apenas uma pessoa em estado grave.

Ontem de manhã, a comandante nacional operacional adjunta da Proteção Civil, Patrícia Gaspar, dava garantias de que a situação estava mais estável. O número de pessoas deslocadas tinha diminuído de 230, na noite anterior, para 181 – algumas foram recebidas em casas de familiares e outras, estrangeiras, regressaram aos seus países. Patrícia Gaspar anunciava também que, até às 15 horas, haveria uma “janela de oportunidade” no combate ao fogo, que se intensificou depois dessa hora.

Os fogos na aldeia de Fóia e Silves reacenderam-se – algo que, aliás, Patrícia Gaspar já tivera previsto na conferência de imprensa que decorreu de manhã. Perante a ameaça das chamas, além da evacuação da aldeia de Enxerim, a estrada nacional 124, que liga Silves a Messines, foi cortada. E o rasto do fogo chegou mesmo a Albufeira, onde o céu negro foi filmado e fotografado por vários banhistas na Praia da Falésia. Já na Praia da Rocha, em Portimão, foram avistados aviões Canadair a abastecer-se de água no mar – um procedimento que, de resto, não é consensual.

 

Combate “sem falhas” Ao fim do dia, em nova conferência de imprensa, a comandante nacional operacional adjunta da Proteção Civil garantia não ter havido “falhas”. Patrícia Gaspar explicou que “durante a manhã a situação estava bastante estabilizada” e que o problema foi “a meteorologia que se fez sentir no local”, que esteve na base do “comportamento errático e de difícil previsão” das chamas durante a tarde. A responsável da Proteção Civil descreveu mesmo os reacendimentos como “violentos”: “Esta tarde o vento pode ter alcançado uma progressão superior a dois km/hora”.

Entre as dificuldades principais, segundo Patrícia Gaspar, esteve a aproximação do fogo a “zonas periurbanas, onde há mais população, um pouco entre Silves e São Bartolomeu de Messines, lavrando em toda a área de São Marcos e Silves”.

Na antecipação da noite que passou, a Proteção Civil perspetivava um período difícil, com o vento a favorecer uma vez mais “a progressão do incêndio”. A estratégia anunciada era a colocação “da maquinaria pesada” no terreno, para depois, esta manhã, “entrarem os meios aéreos”.

 

bombeiros criticam estratégia A propagação do incêndio originou reações entre os bombeiros. Para a Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários e a Associação Nacional de Bombeiros Profissionais existe uma “desorganização total” no combate e o uso de gel retardante na água para apagar o fogo está em falta, algo que a Proteção Civil, entretanto, esclareceu o uso deste retardante apenas no que diz respeito aos meios aéreos. Em comunicado, a entidade esclareceu que “todos os aviões anfíbios – médios e pesados – contratados pela ANPC utilizam espumífero certificado nas missões que realizam a partir da sua base de origem”, confirmando que “no caso dos 40 helicópteros de ataque inicial, os mesmos não usam espumífero por ficar reduzida a sua capacidade de transporte de elementos operacionais a bordo. Nos contratos celebrados”.

máquinas de rasto subaproveitadas Ao i, uma testemunha que não quis ser identificada denunciou que existe uma má estratégia na utilização das máquinas de rasto. “As máquinas estão muitas vezes horas paradas porque estão à espera que alguém decida. Sabendo da importância delas, devia haver um acompanhamento de alguém das autoridades a comandar a sua utilização. Não tem sido isso que tem estado a acontecer”, lamenta.

Quando falou com o i, ao final da tarde de ontem, a mesma fonte explicou que naquele momento as máquinas estavam paradas e que não trabalhavam desde a manhã. “Está-se a aguardar ordens sobre a estratégia”, acrescenta. “O mesmo se passa com os bombeiros. Se for ter com os bombeiros para pedir ajuda, respondem que têm de falar com o chefe ou o senhor comandante. Entretanto, já ardeu”.

animais mortos e feridos Várias associações e médicos veterinários deslocaram-se à zona do incêndio para ajudar os animais afetados. Ontem à tarde, o Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, em Silves, foi mesmo evacuado devido à progressão das chamas.

Ao i, o veterinário Nuno Paixão, da Charneca da Caparica, conta que tem estado no terreno em articulação com as autoridades e que “o drama ao nível dos animais não é tão grande como o que se viveu em Oliveira do Hospital”.

Nuno Paixão explica que “o incêndio não foi tão rápido na evolução como lá em cima” e que “as mortes de animais registadas são principalmente de animais de produção que estavam fechados e não tiveram hipótese de fugir”. Além disso, “a percentagem de animais queimados é muito baixa face a outros incêndios, o que é um bocadinho animador”.

O veterinário lamenta, contudo, que “muitas das pessoas deslocadas não [tivessem tido] a possibilidade de levar os animais”: “Ou então não tiveram isso em conta”. Além de cães e gatos, o veterinário no terreno diz que maioritariamente os animais que tem vindo a encontrar e a ajudar são burros.

Origem
Jornal i
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