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Rendas precárias. Maioria dos contratos já são de apenas um ano

Diario Noticias

Em Lisboa, as rendas subiram mais de 36% em relação a 2011, o ano da troika

No mercado imobiliário ninguém tem dúvidas: poucos são os proprietários de casas que, quando pensam em arrendá-las, fazem contratos a mais de um ano. E a cláusula do “renovável por igual período” é cada vez menos usada. Os senhorios querem ter a liberdade de escolher os inquilinos ou de subir a renda. No ano passado, foram celebrados 84 383 contratos de arrendamento e estima-se (porque números oficiais não há) que mais de metade sejam a 12 meses. Romão Lavadinho, presidente da Associação de Inquilinos Lisboneses (AIL), vai mais longe e refere que, na atual conjuntura de aumentos, não são apenas os novos que correm riscos – “neste momento, há mais de 500 mil inquilinos precários”.

Com as rendas a subirem para preços nunca antes vistos, sobretudo nas zonas de Lisboa e do Porto, e com a procura a superar largamente a oferta, são cada vez mais os casos de famílias confrontadas com valores que ultrapassam em muito o poder da sua carteira ou com ordens para saírem da casa e darem lugar a um novo inquilino, disposto a pagar mais. Em Lisboa, as rendas estão a registar aumentos trimestrais homólogos de dois dígitos desde 2016, segundo o índice Confidencial Imobiliário. Aumentaram 36% desde o valor médio de 2011, ano em que chegou a troika. No Porto, os números são mais baixos, mas a tendência é igual.

Propostas

É neste contexto que se multiplicam as iniciativas políticas para encontrar soluções. O PCP avançou com uma proposta que revoga a lei do arrendamento de 2012, a chamada lei Cristas; o PS entregou na semana passada um projeto para a Lei de Bases da Habitação; e o Bloco de Esquerda avança nesta semana com um projeto em que defende a estabilidade dos contratos de arrendamento através da fixação de um prazo mínimo de duração e incentivos fiscais para contratos de mais longa duração. O ministro do Ambiente apresenta hoje o seu pacote legislativo da Nova Geração de Políticas de Habitação, em que há apoios no acesso à habitação, bem como medidas que promovem a reabilitação e outras para alargar a oferta de imóveis. No entanto, ao que foi possível apurar, o governo não estará disponível para mexer na lei do arrendamento.

A precariedade dos contratos de arrendamento também não passa despercebida aos senhorios, mas nem todos se reveem no que está a acontecer no mercado. “Não há um tipo de senhorios. Há vários”, defende António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), em declarações ao DN/Dinheiro Vivo. E se muitos (a ANP representa cerca de 25 mil) o que querem é estabilidade para ambas as partes, também há cada vez mais “paraquedistas que fazem contratos a seis meses e a um ano”, pensando que “as rendas sobem até ao céu”. Na ANP, refere, o conselho é de que se faça contratos a cinco anos. Para que haja estabilidade para o senhorio e para o inquilino.

Mas nem todos têm esta sorte. E Romão Lavadinho afirma que há cada vez mais pessoas confrontadas com ordens de despejo ou de alteração do valor da renda. “Neste momento, o problema maior que observamos é a não renovação do contrato”, adiantado que a AIL vai em breve apresentar um conjunto de propostas em que defende a atribuição de benefícios fiscais em função das renovações. O objetivo é salvaguardar não apenas os contratos novos, mas todos – incluindo os anteriores a 1990, que não salvaguardam os inquilinos de despejo depois de terminar o período transitório que o atual governo prolongou por mais três anos.

Novos e antigos

Maria de Lurdes Melo, 65 anos, e uma dezena de vizinhos que como ela habitam há mais de 40 anos um prédio na Rua Castilho (Lisboa) não estão neste campeonato dos contratos “novos”. Mas isso não impediu que às suas caixas do correio tivesse chegado, há um par de semanas, uma carta do senhorio a manifestar oposição à renovação do contrato. “Foi um choque. É uma carta brutal e seca”, salienta, acrescentando que, depois de uma primeira conversa, o senhorio aceitou que continue na casa, pagando, não os 350 euros que foram definidos por o seu rendimento a colocar nos limites dos inquilinos em carência económica, mas 900 euros pelo T1 onde vive. “Não acho justo que se possa ficar indefinidamente numa casa a pagar pouco, mas isto é indigno.”

É para fazer face a estas situações que o projeto do BE defende que os contratos devem ter uma duração mínima de cinco anos e que o aviso de despejo seja feito com cinco anos de antecedência. “Mudar de casa não é a mesma coisa que mudar de sapatos”, precisa o deputado Pedro Soares, para sublinhar que o problema de ficar sem casa e a dificuldade em encontrar outra “já está a afetar pessoas com rendimento médio e médio alto”.

Luís Lima, presidente da Associação das Empresas de Mediação Imobiliária (APEMIP), reconhece que hoje em dia a maioria dos contratos são feitos por prazos muito curtos. Há pouca oferta, “e muitos aproveitam-se para fazer subir as rendas”. Mas avisa que tudo isto pode mudar.

Gonçalo Almeida Costa, advogado da CCA Ontier, também avisa que a situação poderá inverter-se e que voltem a ser os senhorios a precisar dos inquilinos. Mas considera que as mudanças têm de ser feitas pela positiva. Ou seja, não se devem impor limites à duração dos contratos, mas antes criar políticas de incentivos fiscais. “Não há razão nenhuma para que as rendas tenham um tratamento fiscal tão diferente do alojamento local.”

Origem
DN
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