Operação Marquês. Novas contradições no sorteio de juiz
Mapa de distribuição de processos mostra que houve exceções na avaria de sorteios eletrónicos no Ticão
As suspeitas levantadas esta semana durante uma reportagem da RTP por Carlos Alexandre, o superjuiz do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que ficou famoso ao longo dos últimos 14 anos por acompanhar a investigação dos casos de regime mais importantes na história da justiça portuguesa, parecem ter-se virado contra ele próprio. As declarações estão a criar ondas de choque no meio judicial, entre magistrados e advogados, tendo levado o Conselho Superior de Magistratura (CSM) a abrir um inquérito para tirar as insinuações a limpo.
Terá Carlos Alexandre cometido um excesso de linguagem ao manifestar dúvidas sobre até que ponto a distribuição eletrónica, agora em outubro, da fase de instrução da Operação Marquês — processo de corrupção aberto em 2013 e que tem como protagonista o ex-primeiro-ministro José Sócrates — foi feita de forma correta, ao determinar que fica com o outro juiz do tribunal, Ivo Rosa? Haverá algum problema de fiabilidade com o sorteio informático de processos, tendo em conta que a lei diz que os juízes têm de ser obrigatoriamente escolhidos de modo aleatório?
A par do inquérito anunciado esta quarta-feira, o CSM está há várias semanas a investigar os contornos da forma como no passado essa distribuição de processos aconteceu. De acordo com o “Observador”, Carlos Alexandre já foi ouvido a 9 de outubro por causa disso. Embora seja considerada apenas uma averiguação sumária pelo CSM, o caso tem importância pelo facto de as defesas de Sócrates e do antigo ministro Armando Vara, também arguido por corrupção na Operação Marquês, alegarem nos seus pedidos de abertura de instrução que houve batota na atribuição do processo em setembro de 2014, motivo pela qual todos os atos determinados a partir dessa data pelo juiz devem ser anulados.
Entretanto, as dúvidas aumentam. Segundo uma nova análise feita pelo Expresso ao mapa de distribuição de processos, durante os meses de setembro e outubro de 2014 — quando passou a haver dois juízes no Tribunal Central de Investigação Criminal (também conhecido como Ticão) e quando o inquérito-crime Operação Marquês foi redistribuído ao juiz Carlos Alexandre —, só houve quatro sorteios realizados de forma eletrónica naquela secretaria, num total de 115 distribuições. Todas as outras foram atribuídas de modo manual.
O que é que isso tem de invulgar? O facto de ao longo desses dois meses o software de distribuição informática de processos ter sido usado com sucesso em quatro ocasiões — a 1, 8 e 12 de setembro e a 8 de outubro — parece contradizer o que o Conselho Superior de Magistratura (CSM) tinha divulgado numa informação há mais de um mês. Essa nota dizia que a distribuição de processos no Ticão no dia em que a Operação Marquês foi reatribuída a Carlos Alexandre, a 9 de setembro, “foi manual por não poder ser eletrónica, dados os problemas de funcionamento que determinaram o encerramento do Citius em setembro de 2014”. O Citius é uma plataforma eletrónica usada por todos os tribunais e que colapsou precisamente em setembro de 2014, assim que entrou em vigor um novo mapa judiciário, com a reafetação de competências e processos em todas as comarcas dos país.
A 1 de setembro de 2014 foi distribuído eletronicamente a Carlos Alexandre o processo-crime 170/11.2TAOLH, sobre um caso de tráfico de droga com ramificações internacionais; uma semana depois, a 8 de setembro, calhou-lhe também de modo informático um segundo processo, num dia em que houve outros 15 inquéritos-crime que foram atribuídos manualmente. Cinco a Carlos Alexandre e 10 a João Bártolo, o outro juiz que estava então colocado naquele tribunal. O que terá acontecido? O software começou por funcionar bem nesse dia e depois avariou-se?
Esta aparente contradição soma-se a outra já identificada pelo Expresso num artigo publicado a 22 de setembro. O CSM tinha também divulgado na mesma nota que a Operação Marquês foi atribuída a Carlos Alexandre em setembro de 2014, quando o Ticão passou a ter dois juízes, porque esse inquérito-crime já lhe tinha sido distribuído antes dessa data, havendo uma lógica nisso: a transição de um juiz para dois juízes na altura, de acordo com o CSM, manteve “os processos já pendentes afetos ao Juiz 1 [Carlos Alexandre] que já anteriormente os tramitava e determinando a distribuição alternada entre ambos os juízes para os processos remetidos posteriormente”. O mapa de distribuição de processos no Ticão mostra, no entanto, que 29 inquéritos-crime abertos antes de 2014 foram dados a Bártolo e não a Carlos Alexandre, não parecendo respeitar o critério enunciado pelo CSM.