Operação Marquês: Ivo, “o cético”, ou Carlos, “o justiceiro”, decidem julgamento
Na próxima semana, um sorteio dita qual dos dois juízes do tribunal central de instrução criminal vai conduzir a instrução do processo. Figuras polémicas, ambos, um deles será o próximo a ditar o destino dos 28 arguidos
Um de dois juízes vai ditar o futuro dos 28 arguidos do processo da Operação Marquês em que José Sócrates está acusado de corrupção. São os dois únicos juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), e são ambos polémicos. Entre um conhecido por “justiceiro”, o famoso Carlos Alexandre, e Ivo Rosa, que se poderia apelidar de “cético”, sobretudo em relação ao Ministério Público (MP), está a decisão de levar ou não a julgamento os arguidos.
Até esta quinta-feira, data limite para darem entrada os pedidos de abertura de instrução (uma espécie de pré-julgamento em que o juiz do TCIC, o “ticão”, avalia se há ou não provas suficientes para levar os arguidos à barra do tribunal), tinham manifestado esse interesse Armando Vara e a filha, Bárbara Vara, Sofia Fava (ex-mulher de Sócrates), Helder Bataglia, o empresário luso angolano que terá deixado usar as contas bancárias para passar dinheiro de Ricardo Salgado para Carlos Santos Silva; Rui Mão de Ferro, empresário ligado a Sócrates e Santos Silva, o próprio Carlos Santos Silva e o seu advogado Gonçalo Trindade Ferreira, advogado de Santos Silva, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Joaquim Barroca, Diogo Gaspar, o primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa, Joaquim Barroca, a Pepelan, o Grupo Lena, e a sociedade Vale do Lobo Resort Turístico de Luxo e o seu gestor, José Diogo Ferreira.
Carlos Alexandre é o juiz que tem o processo desde o início. Tem-se colocado sempre ao lado do Ministério Público (MP) nas decisões e sufragou a maior parte das pretensões do MP, como a prisão preventiva de Sócrates que, na altura, provocou polémica. É conhecido por ser próximo dos jornais e jornalistas e bem conhecido do público como um “super juiz”. Nas polícias, este magistrado é o “preferido” e, sabe o DN, quando há operações importantes em que pode haver detenções, os polícias chegam a esperar pelo seu turno no TCIC. Porque, dizem, assim há mais garantia de prisões.
Este comportamento é criticado por alguma parte da classe judicial. Do lado oposto, como se fosse o reverso da medalha, aparece o juiz Ivo Rosa, muito criticado pelos procuradores do MP com quem se cruza – a guerra foi ao ponto de ser pedido o seu afastamento no caso EDP quando despronunciou Manuel Pinho. Dizem os procuradores – em off – que a esmagadora maioria das decisões do magistrado que contrariam as investigações do MP são anuladas pelo Tribunal de Relação – e que algumas vezes o tempo de espera do recurso prejudica os processos e liberta os arguidos.
Recentemente vieram a público alguns dos conflitos entre Ivo Rosa e o Ministério Público em grandes casos, como o do espião do SIS condenado por ser agente duplo da Rússia, ou o do marroquino acusado de terrorismo, que o juiz despronunciou dos crimes que o MP propunha.
No processo Sócrates, “as hipóteses de alguns arguidos serem despronunciados é significativamente maior com Ivo Rosa do que com Carlos Alexandre”, afirma, sem hesitar, uma fonte judicial, que tem conduzido algumas grandes investigações no Ministério Público.
No final do ano passado chegou a ser dado como certo que Ivo Rosa iria deixar o TCIC, para assumir um cargo no Programa de Assistência Europa Latino-Americana contra o Crime Organizado Transnacional, em Madrid. Afinal, acabou por desistir, alegando motivos pessoais. Segundo fonte que acompanhou o caso, o magistrado esteve largos meses a aguardar uma decisão relacionada com os impostos que iria pagar, que dependia do governo, e não se concretizou.
Todos contra Carlos Alexandre
Nos pedidos de instrução do processo, há várias referências à forma de atuação do juiz Carlos Alexandre – e mesmo de quem não apresentou pedido de abertura. Ricardo Salgado, por exemplo, diz que não tem forma de defender-se. Na mesma linha está o ex-ministro Armando Vara, cujo pedido de abertura de instrução apresentado na quarta-feira, deixava bem expressa a contestação a Carlos Alexandre. De acordo com o requerimento apresentado, Vara alega que a forma como Carlos Alexandre, que liderou a fase de inquérito, foi escolhido para acompanhar este caso foi ilegal e manipulada, obrigando a anular o processo.
Armando Vara lembra que não houve sorteio na fase inicial do processo, em 2014, tendo este sido distribuído diretamente a Carlos Alexandre, que partilhava o “ticão”, nessa altura, com o juiz João Filipe Bártolo. A defesa de Vara apresenta os mapas de distribuição dos processos onde está registado que, no dia da distribuição da Operação Marquês, não houve sorteio. Ou seja, esta terá sido feita de forma manual. O mesmo aconteceu, registam, com outro caso de grande impacto mediático, que foi o caso dos “Vistos Gold”.
Por outro lado, alega ainda, ao contrário do que diz a lei, que nenhum juiz presidiu à distribuição, deixando em causa, na opinião da defesa, a imparcialidade da escolha. A entrega a Carlos Alexandre da Operação Marquês foi, no entender de Vara, “ilegal, manipulada e violadora dos princípios do processo penal”.
José Sócrates não aceita sequer que exista um sorteio que dá ao “super juiz” 50% de hipóteses de presidir à instrução. O Correio da Manhã indicava que o ex-primeiro-ministro quer que seja Ivo Rosa a decidir. Caso calhe Carlos Alexandre, o jornal dá conta de que José Sócrates irá avançar com um incidente de recusa.
Já em fevereiro, os advogados do antigo governante tinham tinham pedido um incidente de escusa, mas o pedido foi indeferido pela juíza desembargadora Margarida Vieira de Almeida. Apesar de várias tentativas, não foi possível contactar o advogado de Sócrates, Pedro DeLille, que, na altura, disse: “Parece-me objetivo que o juiz Carlos Alexandre assumiu um mediatismo tão grande ao lado do titular do processo que não pode ser juiz de instrução.”
Há 28 arguidos na Operação Marquês, acusados de um total de 174 crimes. Carlos Santos Silva lidera com 33 (17 de branqueamento de capitais, 4 de fraude fiscal, 10 de falsificação de documento e dois de corrupção de político). Segue-se José Sócrates, com 31 (3 de corrupção passiva, 3 de fraude fiscal, 9 de falsificação de documentos e 16 de branqueamento de capitais). Armando Vara está acusado de um crime de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais e outros dois de fraude fiscal.
Ainda não é conhecida a data do sorteio da próxima semana, mas os advogados vão requerer estar presentes.