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Mulheres ganham menos 2464 euros por ano do que os homens. Igualdade é obrigatória a partir de hoje

O fosso salarial entre homens e mulheres tem vindo a diminuir, mas ainda chega aos 176 euros por mês. Nesta quinta-feira entra em vigor a lei que obriga as empresas a colocar os dois géneros em pé de igualdade.

Foi um marco histórico que passou despercebido: em 2017, pela primeira vez, o ganho mensal médio das mulheres portuguesas ultrapassou a fasquia dos mil euros. Para os homens, a mesma marca foi atingida em 2005. Doze anos antes. A igualdade salarial em Portugal tem vindo a crescer aos poucos. A partir desta quinta-feira ganha força de lei.

As contas mais recentes do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS) mostram que as trabalhadoras portuguesas levam para casa um salário 16,7% mais baixo do que os colegas do sexo masculino. Contabilizada apenas a remuneração base mensal, que não inclui parcelas como os subsídios de alimentação ou horas extra, em 2017 as portuguesas ganhavam em média 876 euros por mês, menos 176 euros do que os homens. Por ano, a diferença é de 2464 euros. Nos cargos superiores a diferença é de 657 euros por mês, mais de nove mil euros por ano.

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© DR

Fazendo as contas ao ganho médio mensal, que já inclui todos os subsídios, a disparidade é ainda maior. “Por sexo, os homens ganharam em média 1266 euros mensais, contra os 1011 euros observados para as mulheres. Deste modo, o ganho das mulheres ficou 20,1% abaixo do ganho dos homens”, lê-se no último Inquérito aos Ganhos e à Duração do Trabalho do MTSSS. Ou seja, as mulheres ganham menos 255 euros por mês do que os homens, ou 3570 por ano.

O que diz a lei

Com a lei que entra hoje em vigor, o governo quer contrariar as previsões mais catastrofistas, como as do Fórum Económico Mundial, segundo o qual faltam 202 anos para que homens e mulheres tenham o mesmo valor na folha de pagamentos.

De acordo com a nova norma, o Relatório Único que as empresas fazem anualmente passa a ter de incluir informação relativa ao género, ou seja, terá de explicitar quanto ganham os homens e as mulheres daquela empresa. Essa informação terá também de ser disponibilizada aos trabalhadores.

É com base nesses dados que “o serviço do ministério responsável pela área laboral” vai determinar se a empresa assegura ou não o princípio da igualdade salarial. Se houver indícios de discriminação, a empresa terá de implementar, durante 12 meses, um plano de avaliação. Se no final desse ano ainda houver diferenças salariais não justificadas, a empresa incorre numa contraordenação grave e pode ficar impedida de participar em concursos públicos durante dois anos.

Para já a lei só se aplica às empresas com mais de 250 trabalhadores. Dentro de três anos passará a incluir todas as organizações com mais de 50 pessoas.

As empresas estão preparadas?

“Não me parece que a questão da disparidade salarial seja um problema grave em Portugal, em comparação com outros países europeus. Ainda assim, acredito que em termos de monitorização e sensibilização esta lei valoriza o tecido empresarial e a própria sociedade portuguesa”, afirma Paulo Nunes de Almeida, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP).

Segundo o responsável, a lei portuguesa “já tem hoje um conjunto de suportes que impedem qualquer tipo de discriminação, seja por género ou por outro motivo”. As diferenças que existem, sublinha, têm que ver com a própria natureza de algumas funções.

“O que acontece em alguns setores é que há funções que são mais desempenhadas por mulheres e, por uma questão de tipologia, são oneradas pelo nível mais baixo. Isto faz que na análise global haja uma diferença considerável. Mas isso não é obrigatoriamente uma causa de discriminação”, aponta Paulo Nunes de Almeida.

A análise do MTSSS mostra que as maiores desigualdades estão em setores como a saúde, a educação, a restauração ou o comércio a retalho. Porém, é nas artes e no desporto que a diferença atinge níveis mais gritantes, de quase 50%. Enquanto uma mulher desta área ganha pouco mais de 920 euros, em média, um homem aufere perto de 1800 euros.

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© D.R.

Existem, ainda assim, setores onde o gap é favorável às mulheres, como a construção ou a indústria extrativa. Por serem “atividades em que os homens predominam”, explica a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), “esta situação poderá ser explicada pelos níveis de qualificação e profissões desempenhadas pelas mulheres nessas atividades”.

O líder da AEP sublinha ainda que “uma coisa é discriminação, outra coisa é diferenciação”. Esta última, destaca, “tem que ver com razões que vão além da função, como o empenho e a motivação. E, como a gestão hoje é feita por objetivos, é normal que haja uma diferenciação” dos salários.

Que impacto pode ter a lei na economia?

As consultoras questionadas pelo DN/Dinheiro Vivo querem “esperar para ver” antes de fazer prognósticos sobre o impacto da nova lei. Mas arriscam dizer que, face à situação atual, só há margem para melhorar.

“Iniciativas legislativas como esta são importantes para que possa haver igualdade entre homens e mulheres no mundo do trabalho, porém por si só não são suficientes. Paralelamente, de forma a mudar a mentalidade das empresas portuguesas, é muito importante informar sobre a atual situação, sobretudo as lideranças das empresas, para que, uma vez conscientes desta disparidade, possam tomar medidas concretas para a corrigir”, afirmam ao DN/Dinheiro Vivo as responsáveis da iniciativa Leading Together, que promove o equilíbrio de género nas empresas portuguesas.

Na Mercer, que todos os anos publica o estudo “Total compensation”, que avalia as práticas salariais de 400 empresas, a visão é semelhante. “Teoricamente, a deteção destas situações (que acreditamos estarem mais diluídas e menos sistematizadas em organizações muito grandes) deverá conduzir a um processo de correção das mesmas. Pelo menos uma parte das empresas optará por corrigir as iniquidades, pelo que poderá existir um impacto na redução do gap salarial a médio prazo. Ou seja, a nova lei irá com toda a certeza contribuir para a redução da diferença salarial, mas não será suficiente para eliminá-la”, corrobora Marta Dias, career consultant da Mercer.

Para Marta Dias, apesar de não estarem previstas multas para as empresas incumpridoras, a lei vai contribuir para mudar mentalidades, “por questões de reputação da marca”, já que “o facto de uma empresa poder ser identificada como promotora de iniquidades de género poderá ter um impacto negativo sobre a sua imagem”.

A consultora acredita que há, no entanto, “sinais otimistas para o futuro”, já que o último estudo da Mercer conclui que existe “um aligeiramento nas diferenças salariais nas gerações mais jovens”.

Origem
DN
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