Marido impotente após acidente. Para o tribunal, 15 mil euros chegam para compensar a mulher
Uma mulher pedia uma indemnização de 120 mil euros após o marido ficar com sequelas de um acidente de viação que o impedem de consumar relações sexuais. Tribunal diz que é demasiado dinheiro e condena a seguradora a pagar 15 mil euros. Aponta que para ter filhos pode sempre recorrer a inseminação artificial.
Uma mulher moveu uma ação contra uma companhia de seguros na sequência de um acidente de viação que deixou o marido “ferido com muita gravidade e com sequelas várias que, designadamente, o impedem de consumar o ato sexual e de procriar”. Por não poder ter filhos, nem relações sexuais, pediu 120 mil euros de indemnização. O tribunal considerou que podia recorrer à inseminação artificial para ter filhos e condenou a seguradora a pagar apenas 15 mil euros, a título de danos morais.
A Relação de Évora, após recurso da mulher em esta que argumentou que “a vida sexual não é traduzível em euros” e que ficou “ficou privada de viver em toda a sua dimensão”, considerou que o problema do homem “é de ordem psíquica” e disse ser “justa e equitativa” a indemnização de 15 mil euros “para ressarcimento do prejuízo sexual decorrente da dificuldade do seu marido em finalizar o ato sexual”. Nas decisões judiciais consta que o casal contraiu matrimónio católico em 1990 e que a mulher pretendia ter outro filho. Nunca são referidas no acórdão, de 21 de novembro, da Relação de Évora as idades de marido e mulher.
O caso começou com um acidente de viação em 2013, em Ourém, que deixou o homem com sequelas graves a nível de saúde. A mulher moveu uma ação contra a seguradora do outro veículo envolvido por se sentir lesada. “Deixou de poder exercer a sua sexualidade com o marido, privando-a de ter outro filho, o que viola os direitos de personalidade, na dimensão do direito à realização pessoal da sua vida, no âmbito dos deveres conjugais, danos que lhe conferem o direito a uma indemnização”, argumentava no pedido cível.
O tribunal Cível de Santarém aceitou parcialmente o pedido. Mas apontou que “era sempre possível à autora ter outro filho por outro meio que não por intermédio do contacto sexual com o marido, designadamente por inseminação artificial”. Na sentença foi dado como provado que “o marido da autora não consegue ter relações sexuais como tinha anteriormente, tendo dificuldade em finalizar o ato sexual porque se começa a enervar e a recordar-se das dificuldades. O que tem como consequência a diminuição da realização pessoal e integridade físico-psíquica da autora. Por virtude do descrito, a autora deixou de ter relações sexuais com o marido”.
“A prática sexual não se esgota na procriação”
No recurso que foi agora à Relação de Évora, a defesa da mulher apontou que “é uma realidade a possibilidade de recurso à inseminação artificial, mas que acarreta custos, na ordem das dezenas de milhares de euros”. Contudo centrou o recurso dos direitos de personalidade e no baixo valor da indemnização. “A prática sexual não se esgota ou se reconduz de modo exclusivo à procriação. Do ponto de vista científico uma larga percentagem de mulheres tem uma vida erótica mais satisfatória entre os 50 e os 60 anos do que antes, porque se sente mais liberta de tabus defende o sexólogo Júlio Machado Vaz e também a Investigadora do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida e ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, Ana Carvalheira”, lê-se.
Os juízes-desembargadores Francisco Matos (relator), José Tomé Carvalho e Mário Branco Coelho, do Tribunal da Relação de Évora, não atenderam as pretensões. Sobre o baixo valor da indemnização e o pedido de 120 mil euros, apontaram que o “Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar adequadas compensações entre os 50.000 e 100.000 euros para a perda do direito à vida, e sendo este um direito absoluto, do qual emergem todos os outros direitos, já se indicia a desadequação do montante peticionado de 120.000 euros por disfunção sexual”.
Na avaliação da sentença de Santarém chegaram também à conclusão que foi bem fundamentada, apontando que o homem não ficou totalmente incapaz em termos físicos. “Em essência, o marido, na sequência de sequelas ocasionadas pelas lesões do acidente, ficou afetado no seu desempenho sexual, tendo dificuldade em finalizar o ato sexual porque se começa a enervar e a recordar-se das dificuldades. Tal significa, segundo lemos, que a afetação da função sexual do marido não é de ordem física ou biológica mas de ordem essencialmente psíquica, ou seja, não se encontra impedido de procriar, nem se encontra impedido, tal como se anota na decisão recorrida, de ter relações sexuais e é nestes quadro factual que importa avaliar a violação dos direitos de personalidade.”
Tendo em conta um decisão do Supremo num processo em que foi atribuída uma indemnização de 20 mil euros por idêntico motivo, a Relação de Évora concluiu: “Ponderando o quadro factual supra exposto à luz deste critério orientador, cremos que a decisão recorrida valoriza equilibradamente o conjunto dos factos apurados e não se afasta, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, considerando-se justa e equitativa a indemnização, no valor de 15.000 euros, para ressarcimento do prejuízo sexual decorrente da dificuldade do seu marido em finalizar o ato sexual consequente às lesões sofridas“.