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Marcelo obriga governo a voltar a negociar com os professores

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, decidiu hoje vetar o decreto-lei sobre a contagem do tempo de serviço congelado dos professores. Em causa está a negociação com os sindicatos, prevista no Orçamento do Estado para 2019, que na perspetiva de Marcelo não foi respeitada. Governo acata decisão e volta a sentar-se à mesa com os sindicatos.

“A Lei do Orçamento do Estado para 2019, que entra em vigor no dia 1 de janeiro, prevê no seu artigo 17.º que a matéria constante do presente diploma seja objeto de processo negocial sindical”, lembra o Presidente da República numa nota enviada ao primeiro-ministro, António Costa. “Assim sendo, e porque anteriores passos negociais foram dados antes da aludida entrada em vigor, remeto, sem promulgação, nos termos do artigo 136.º, n.º 4 da Constituição, o diploma do governo que mitiga os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente, para que seja dado efetivo cumprimento ao disposto no citado artigo 17.º, a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2019.

Numa nota divulgada pelo seu gabinete, António Costa voltou a defender que foi a “intransigência” dos sindicatos que impediu um acordo à mesa negocial, lamentando que, na sequência da decisão de Marcelo, os docentes não vejam “contabilizados já a partir de 1 de janeiro de 2019 os dois anos, nove meses e 18 dias” que o governo se propunha devolver. No entanto, confirmou que serão retomadas as negociações.

“O governo aguardará assim a entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2019 para iniciar um novo processo negocial com as estruturas sindicais representativas dos educadores e dos professores dos ensinos básico e secundário”, diz o gabinete do primeiro-ministro.

A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) considera a decisão de Marcelo “natural”, acrescentando que os docentes partem “mais fortes” para futuras negociações com a tutela.“Esperamos agora que o governo cumpra a lei e que não atente contra o senhor Presidente da República como tem atentado contra os professores”, disse Mário Nogueira, em entrevista à SIC Notícias.

Ao DN, o dirigente sindical defendeu que esta “não é uma vitória” dos sindicatos, porque “vitória é quando contarem o tempo todo. Há uma nova perspetiva de negociação”, considerou. “O governo sabia que tinha de negociar em 2019 e não o quis fazer. Neste momento, está completamente isolado.”

Rio diz que governo ficou “perdido na sua posição radical”

Joana Mortágua, do Bloco de Esquerda, disse no Parlamento esperar que seja agora possível “chegar a uma solução”, tal como “aconteceu na Madeira e nos Açores”. A deputada defendeu que os sindicatos “puseram em cima da mesa muitas soluções” para mitigar o efeito da reposição do tempo de serviço, quer o prolongamento no tempo dessa recuperação quer alternativas como a bonificação para efeitos de aposentação, considerando que foi o governo que apresentou “apenas uma”.

António Filipe, do PCP, defendeu também que “o governo não terá outra solução que não seja voltar à mesa das negociações”, considerando que aquilo que a tutela apresentou até agora “não era uma solução séria”, já que “fazia de conta” que os professores não tiveram nove anos, quatro meses e dois dias de serviço congelados.

Também entre os partidos da direita a conclusão é de que o governo tem de voltar a negociar. “O senhor Presidente da República, de uma certa forma, pôs o governo na ordem, obrigando ao cumprimento devido do Orçamento do Estado e ignorando o simulacro que o governo fez há algumas semanas atrás”, disse Ana Rita Bessa, do CDS-PP, considerando estar “do lado do governo encontrar uma solução para este impasse.

Rui Rio, líder do PSD, criticou a postura negocial do governo até agora, considerando ser possível encontrar uma solução que não ponha em causa o equilíbrio orçamental. “Esta devolução por parte do senhor Presidente da República tem que ver com aquilo que foi aprovado pelo Parlamento e entra em vigor a 1 de janeiro e obriga o governo a negociar com os professores”, resumiu. “O governo tem agora de cumprir a lei, sentar-se à mesa das negociações e depois logo se vê. Neste caso concreto, o governo ficou isolado e ficou perdido na sua posição radical. O que nós pretendemos é que se faça um processo negocial aberto como se fez quer na Madeira, onde o governo é do PSD, quer nos Açores, onde é do PS, com soluções que não ponham em causa a sustentabilidade das finanças públicas. E isso é possível”, defendeu.

O governo, depois de ter convocado os sindicatos para uma reunião em dezembro, que foi ainda objeto de negociação suplementar, tinha dado por encerrado o processo negocial. Mas os sindicatos defendiam que as reuniões mantidas com a tutela não correspondiam ao previsto no Orçamento do Estado para 2019, uma vez que este nem sequer estava ainda em vigor. Uma tese agora subscrita por Marcelo Rebelo de Sousa.

Outro aspeto que terá pesado no veto será a discrepância entre as soluções adotadas nas regiões autónomas – nas quais todos os docentes terão direito a ver reposta a totalidade do tempo de serviço congelado – e o continente, onde o governo pretende apenas devolver dois anos, nove meses e dezoito dias de serviço. Marcelo já tinha dito neste fim de semana que iria “apreciar a posição adotada nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores” antes de se decidir sobre a promulgação ou devolução ao governo do diploma.

Os sindicatos – que exigem a devolução de nove anos, quatro meses e dois dias de serviço – vinham apelando a Marcelo Rebelo de Sousa para que não promulgasse o diploma, invocando a situação de tratamento desigual face às soluções adotadas nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores mas também o desrespeito das regras negociais e o alegado incumprimento por parte do governo de princípios de entendimento já alcançados sobre esta matéria que, na perspetiva das organizações, obrigavam a negociar não o tempo de serviço mas “o prazo e o modo” da sua reposição.

“Afirmar que os sindicatos se mantiveram intransigentes quanto às propostas apresentadas é falso”, defendeu a Associação Sindical de Professores Licenciados (ASPL) numa “carta aberta” enviada a Marcelo na passada sexta-feira. “O governo é que se manteve intransigente, ao pretender obrigar os sindicatos a negociar o que não era para negociar, assim como a impor a sua única proposta que, desde o início ao fim das reuniões, tentou forçar os sindicatos a aceitarem: “2 anos, 9 meses e 18 dias”,

O que acontece agora?

A decisão de Marcelo Rebelo de Sousa é importante sobretudo no plano simbólico, deixando o governo ainda mais isolado nesta questão. Em termos práticos,no limite, o Conselho de Ministros poderia até decidir reenviar o diploma sem alterações ao Presidente da República, que nessa altura teria à partida de o promulgar. Mas em qualquer dos cenários – promulgação ou devolução – o assunto nunca ficaria por aqui, dadas as diferentes iniciativas, nomeadamente no Parlamento, tendo em vista a sua revisão.

Além das promessas de pedidos de apreciação parlamentar feitas por PCP, Verdes e Bloco de Esquerda, também o CDS-PP e o PSD têm defendido a necessidade de se continuar a trabalhar para encontrar uma solução que agrade a todas as partes. Rui Rio, líder social-democrata, defendeu há dias que “não faz sentido” que venha a vigorar para os docentes do continente um sistema distinto daquele que foi aprovado para a Madeira e para os Açores.

O Parlamento aceitou também, na passada sexta-feira, discutir uma “iniciativa de cidadãos” – lançada por movimentos independentes dos sindicatos – em que é reivindicada a contagem de todo o tempo de serviço congelado.

Com o Orçamento do Estado de 2019 já promulgado pelo Presidente da República, não existe neste momento cabimento para devolver aos docentes, no próximo ano, mais do que os dois anos, nove meses e dezoito dias aprovados pelo governo. No entanto, isso não significa que estejam bloqueadas soluções mais generosas para os professores, desde que estas não produzam efeitos no próximo ano civil.

Entretanto, pelo menos para já, mantém-se de pé a prometida luta dos docentes, que avisam que só o regresso à mesa negocial impedirá um resto de ano letivo muito agitado. Para o primeiro dia de aulas do 2.º período, a 3 de janeiro, está já prevista uma concentração em frente ao Ministério da Educação, na Avenida Infante Santo.

“Lá estaremos no dia 3 de janeiro, dez sindicatos, para dizer ao governo que é preciso negociar”, disse Mário Nogueira ao DN. “Janeiro tem de ser o mês para resolver isto tudo. A partir daí, se o governo não quiser negociar, ou se voltar a uma postura de entrar e sair das negociações, temos o ano estragado.”

Origem
DN
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