Internamentos não atingem estimativas, mas UCI só têm “vagas quando alguém morre ou tem alta”
Internamentos não atingem estimativas, mas UCI só têm "vagas quando alguém morre ou tem alta"
4 de novembro era o dia em que o país deveria estar a atingir um dos piores cenários da pandemia. Isto mesmo foi referido pela ministra da Saúde, a 26 de outubro, ao anunciar que as previsões do Instituto Nacional da Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) apontavam para 2634 internados em enfermarias e 444 em unidades de cuidados intensivos (UCI). Mas, nesta terça-feira, o país registava 2349 doentes em enfermaria e 320 em UCI. A questão é que estas unidades já estão a mais de 90% da sua capacidade máxima, e já não é só no norte: na área de Lisboa e vale do Tejo, está a acontecer o mesmo.
No Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC), centro de referência para a covid-19 para toda a zona sul, como tem sido o Hospital de São João para na região norte, “já não há vagas disponíveis, só quando alguém morre ou tem alta para regressar à enfermaria”, referiu ao DN o médico intensivista e coordenador do Programa ECMO.
Philip Fortuna conta mesmo: “Nesta noite [de segunda para terça-feira] fui com a minha equipa buscar um doente para ECMO ao Hospital de Matosinhos, porque o Hospital de São João já não tinha capacidade para o receber. Estamos a funcionar em rede e a ajudar-nos uns aos outros, mas todas as unidades estão a 85% e algumas já acima dos 90%. Nós estamos já também neste limite.”
O médico intensivista exemplifica ainda com o facto de a unidade onde trabalha ter habitualmente 22 camas; a partir desta quarta-feira terá 24, mas 20 serão para covid-19. Ou seja, a maioria das camas continua a ser ocupada por doentes com covid, “o que nos faz questionar, mais uma vez, onde estão os outros doentes que nos enchiam a unidade”.
Na opinião deste clínico, “só está a ser possível aguentar a situação porque já há cirurgias que não estão a acontecer, porque não há tantos acidentes de viação e porque, até agora, todas as outras doenças respiratórias, nomeadamente gripe, estão a acontecer menos“, sublinhando: “Acho que é isto que está mesmo a salvar a situação.”
O Hospital de São João e as outras unidades que o rodeiam, como Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Famalicão e Penafiel, que têm estado sob grande pressão desde o início de outubro, está agora no nível 3 do plano de contingência, podendo chegar em breve ao nível 4. Em Lisboa e vale do Tejo, as unidades têm estado em nível 2 e episodicamente têm atingido o nível 3, mas a perceção dos médicos é a de que “a tendência é para aumentar, a lotação máxima vai continuar acima dos 85% e, em alguns sítios, já dos 90%”.
“Muito pouca capacidade de reserva”
De acordo com o que explicou ao DN o médico intensivista do Hospital São José, “está a acontecer agora precisamente o que aconteceu na primeira vaga. O norte foi o primeiro a ficar sob grande pressão, e quando encheu as outras unidades ajudaram. Depois tivemos as UCI de referência para a covid-19, no sul, como a do Curry Cabral, em pressão, e quando esta encheu as outras unidades, como a de São José, tiveram de receber doentes covid, quando os casos atenuaram voltámos a ter mais capacidade para receber doentes. Agora, o norte já encheu, as outras unidades que estavam a ajudar, como a nossa, estão a encher, porque esta expansão está a ocorrer rapidamente”.
Reforçando: “Neste momento, temos muito pouca capacidade de reserva, não há vagas disponíveis, estas vão aparecendo conforme um doente morre ou tem alta.” Ao mesmo tempo critica: “Estamos há sete meses em pandemia e só agora há autorização para abrir mais vagas para intensivistas e para recrutar mais enfermeiros. Se formos agora recrutar mais enfermeiros, provavelmente, vamos fazê-lo junto de outras unidades que também vão ficar desfalcadas.”
Quanto ao facto de a última estimativa para internamentos em enfermarias e em UCI não se confirmar, o médico intensivista afirma não haver uma resposta para o facto de ser positivo ou não, pois as unidades continuam a viver em grande pressão.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Intensiva, João Gouveia, reiterou o mesmo ao DN. “Neste momento, não temos uma resposta para isso”, explicando que a pequena diferença de casos pode ter que ver com vários fatores, nomeadamente “com os tratamentos que estão a ser feitos em enfermaria com suporte respiratório, e que antes não eram feitos, e que estão a ter bons resultados”.
Ou seja, oito meses passados dos primeiros casos no país, “os doentes estão a ser mais bem tratados, estamos numa fase em que sabemos que quanto mais cedo entrarem na UCI e começarem a ser tratados, melhores resultados teremos. O que ainda não conseguimos perceber é se esta diferença no número de internados em relação às estimativas terá que ver com o tratamento nas enfermarias ou até com o facto de a doença estar a atingir uma faixa etária mais jovem, mais saudável, com menos morbilidade”.
João Gouveia espera que os números fiquem longe das estimativas e que o facto de não haver tantos doentes em UCI resulte da diminuição de casos e com melhores respostas em termos de cuidados.
RT oscilou entre 0,81 e 2,37
De acordo com a informação constante na página do INSA, desde o início da pandemia até agora, a estimativa do RT (número de reprodução efetivo em função do tempo) variou entre os 0,81 e os 2,37.
Em julho, o RT volta a ficar abaixo de 1, mantendo-se assim até ao dia 5 de agosto, mas desde 21 de outubro que o RT se mantém elevado entre 1,19 e os1,23, com a região norte sob maior pressão. Há 93 dias que está acima de 1 e com uma média de 2024 novos casos diários.
Segue-se a região centro, que o mantém acima de 1 há 86 dias, com uma média de 359 casos por dia. Lisboa e vale do Tejo tem um RT entre 1,19 e 1,23, média de 901 novos casos por dia. O Alentejo é a região há menos dias em pressão, há 19 dias com um RT entre 1,03 e 1,68, mas apenas com uma média de 56 novos casos diários. No Algarve, o RT está entre 1,02 e 1,14 e 46 novos casos por dia. A análise do INSA das últimas semanas aponta para uma tendência de duplicação de novos casos de SARS-CoV-2, em 14,9 dias, e com valores de RT entre 11,3 e 2,19.
Projeções servem para apoiar planeamento
Ao DN, o INSA explicou que “o principal objetivo deste tipo de projeções é apoiar o planeamento da preparação e resposta dos hospitais e outras unidades e serviços de saúde de modo a melhor responderem às necessidades de saúde da população, em cada momento, face à pressão que a epidemia covid-19 coloca no Serviço Nacional de Saúde”.
Referindo que as projeções do número de doentes em UCI a 4 de novembro, referidas na semana passada pela ministra da Saúde,”foram obtidas por ajustamento de um modelo matemático aos dados observados até dia 25 de outubro, considerando que a tendência a ocorrer entre 26 de outubro e 4 de novembro é igual à observada até 25 de outubro.
As projeções do INSA são feitas a vários dias (dez dias) têm um elevado erro e incerteza, sendo, no entanto, provável que o valor observado amanhã venha a estar dentro do intervalo de erro esperado. O facto de o número observado estar abaixo do projetado pode ser um bom sinal, sugerindo um desacelerar da epidemia.
De qualquer forma, assinala o INSA na resposta ao DN, que “é importante sublinhar que o desacelerar não significa que o número de internados vá começar a decrescer, apenas que o crescimento observado é menor do que o projetado”.