Fizz. Carlos Silva: “Eu fui muito claro: no banco não temos nenhum desafio para o procurador”
Jornal i
Num depoimento considerado crucial para o processo Fizz, o banqueiro Carlos Silva começou por apresentar o seu percurso profissional, referindo de seguida como conheceu o antigo procurador do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
“Conheci o dr. Orlano Figueira em maio de 2011 no DCIAP quando fui prestar declarações como testemunha. Tudo começou quando recebi uma chamada do dr. Paulo Blanco dizendo que o dr. Rosário Teixeira me queria ouvir como testemunha num processo e findo esse momento ficou uma conversa de cortesia e apareceu depois o dr. Orlando Figueira, que me foi apresentado aí”, disse a instância da procuradora Leonor Machado, adiantando: “E ele disse-me: Então não se recorda de mim? Já o ouvi para memória futura no caso Banif”.
Admite almoço, mas diz que nunca se falou de trabalho
Apesar desse episódio anterior, diz que só nesse dia acabou por conhecer Orlando Figueira, tendo sugerido a realização de um almoço para o dia seguinte com o arguido Paulo Blanco, advogado do Estado angolano que fez a cortesia de o acompanhar e os procuradores Orlando Figueira e Rosário Teixeira – almoço aque acabou por acontecer dias depois.
E explicou por que decidiu sugerir esse almoço: “Angola era um tema de muitas conversas em Portugal pelo óbvio que todos sabemos, era um período de crescimento da nossa economia e eu, de facto a iniciativa foi minha, não sabia como sair daquela conversa cortez do senhor magistrado e disse: E se almoçássemos amanhã? Não sei se o convite foi quando ainda só estava o dr Rosário Teixeira e o dr Paulo Blanco, mas no fim também se estendeu ao Orlando Figueira. Acabou por não ser no dia seguinte, e quem apareceu foi o dr Paulo Blanco e o dr Olrando Figueira.”
Contrariamente ao que dizem os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco, Carlos Silva afirma que nesse encontro nunca se falou de trabalho ou da saída do antigo procurador do DCIAP.
“Posso garantir-lhe que nunca se falou de trabalho. O dr Orlando Figueira foi a pessoa que mais falou no almoço. Da viagem que fez a Angola na semana da legalidade, da aproximação das duas Procuradorias Gerais da República, falou-se naturalmente dos dois países. De tal maneira um almoço de cortesia que no final do almoço ninguem trocou nem telefones nem emails”, disse, reforçando: “Não se falou de trabalho coisissima nenhuma”.
Blanco ligou-lhe a pedir emprego para Orlando Figueira
Negando a versão dos arguidos de que já em Angola se haviam encontrado, o banqueiro luso-angolano deixou ainda claro que a partir daí recebeu alguns contactos de Paulo Blanco a pedir um emprego para Figueira, acrescentando que nunca deu andamento a nada.
“Depois do almoço, quando regresso a Luanda, dias depois, recebo um telefonema do dr Paulo Blanco a dizer-me que o dr Orlando Figueira estava à procura de emprego e a perguntou-me se havia algum desafio para o dr Orlando Figueira no banco. Pareceu-me que era um telefonema de alguem que estava a tentar ajudar outrem que estava a ultrapassar um problema pessoal, um momento difícil. Não uma cunha. Eu fui muito claro: no banco não temos nenhum desafio para o dr. Orlando Figueira”, referiu, continuando: “O dr Paulo Blanco insistiu: Oh Carlos mas voces têm uma dimensão… E eu disse que não tinhamos desafio nenhum para o dr Orlando Figueira”.
Perante nova insistência, porém, admite que aconselhou Paulo Blanco a falar com Paulo Marques, então administrador do banco com o pelouro jurídico. “Um presidente de um banco tem de estar muito concentrado se não, não cumpre bem o seu mandato. E conversas de ajudar alguém não faz parte”, salientou.
Foi neste momento que Carlos Silva disse ser um desrespeito para com o então administrador com o pelouro jurídico Paulo Marques (que já morreu), a versão apresentada pelos arguidos. “Em memória do dr Paulo Marques e em respeito por quem não se pode defender, tenho de dizer o seguinte: Li que se disse aqui que o dr Orlando Figueira iria substituir o dr Paulo Marques… O dr. Paulo Marques era administrador e fundador do banco e eu tenho honra de continuar de trabalhar com os filhos. É absurdo o que se disse. Como é que o dr Orlando Figueira ia substituir um fundador, um jurista com um grande capital de experiência”, assegurou.
A partir daí afirma nunca mais ter tido conhecimento de nada do que se passou com Orlando Figueira, nem ter sabido da sua contratação pela sociedade Primagest.
Carlos Silva explicou ainda que Paulo Blanco – que conheceu em 2008/2009 – sempre tentou de forma educada ganhar alguma confiança pessoal, algo que nunca fez, dado o tratamento institucional que imprimiu na relação entre ambos. “O dr paulo Blanco procurou criar uma relação de proximidade comercial, de uma forma educada. E eu procurei também de uma forma correta, centrar tudo naquilo que achava que deveria ser. Uma relação institucional correta…”, disse.
Nunca falou com Proença de Carvalho sobre ex-procurador
Quanto ao contacto que Iglésias Soares lhe fez em 2015 a pedido de Orlando Figueira para dar conta dos problemas que estava a ter, Carlos Silva afirmou: “O dr Iglésias Soares disse que o dr Orlando Figueira o tinha procurado por ter transferências pendentes no BPA. O número de transferências pendentes em Angola era superior a 2 biliões de dólares em 2015. Disse-me de facto isso”. Mas garante nunca lhe ter sido dito que era no âmbioto de um contrato que tinha esse dinheiro a receber.
Carlos Silva disse ainda que Daniel Proença de Carvalho nunca foi coordenador jurídio do BPA, nem em Angola, nem em Portugal: “Nem nunca teve contrato com o banco. A Uria Menendez é um dos escritórios com quem o banco trabalha.”
E disse ainda esta manhã nunca ter falado com o conhecido advogado a propósito de qualquer caso que envolvesse Orlando Figueira.
Depoimento chave no caso Fizz
Este depoimento é fundamental para esclarecer o coletivo sobre se foi ele, Carlos Silva, quem contratou o antigo procurador Orlando Figueira para o setor privado (através da sociedade Primagest) – como defende o arguido – ou se foi Manuel Vicente, como refere a acusação.
Carlos Silva aceitou vir a Lisboa depor depois de o tribunal ter tentado por diversas vezes notificá-lo e de ter decidido participar do Banco Privado do Atlântico por desrespeito e falta de colaboração com a Justiça. Inicialmente a hipótese avançada era que a audição fosse feita por videoconferência, tendo depois sido acordado que viria pessoalmente ao Campus da Justiça na próxima semana.
Segundo a acusação, de um lado está um procurador, Orlando Figueira, alegadamente corrompido, e do outro um ex-vice-presidente da República de Angola, Manuel Vicente, que supostamente o corrompeu com vista a obter o arquivamento de dois inquéritos em que era visado.
Como contrapartida, defendem os investigadores, Vicente arranjou um trabalho no privado a Figueira, tendo este deixado por esse motivo o DCIAP – as contrapartidas terão sido superiores a 760 mil euros.
Mas o caso tem assistido a revelações bombásticas. Em vésperas do início do julgamento, Orlando Figueira e Paulo Blanco, advogado que representou o estado angolano em vários processos e arguido na Operação Fizz, trouxeram para o centro da alegada teia outros personagens influentes, como é o caso do banqueiro angolano Carlos Silva e do advogado português Daniel Proença de Carvalho.
Defendem os arguidos que Manuel Vicente nada teve a ver com este caso e que foi Carlos Silva que contratou, através da Primagest, o antigo procurador depois de várias reuniões tanto em Luanda como em Lisboa. Sobre a intervenção de Proença de Carvalho, advogado do banqueiro, dizem que esta aconteceu em fases posteriores: primeiro, para por fim ao contrato com a Primagest e depois para fazer um “acordo de cavalheiros” com Orlando Figueira no sentido de este nunca falar do seu nome nem do de Carlos Silva nos interrogatórios judiciais.