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Fim do diesel? Call center do ACP inundado de chamadas

Automóvel Club de Portugal acusa ministro Matos Fernandes de enganar portugueses com declaração "alarmista".

call center do Automóvel Club de Portugal (ACP), que representa 252 mil associados, não tem tido mãos a medir nas últimas 24 horas. Recebeu dezenas de chamadas com pedidos de informação e de ajuda depois de o ministro do Ambiente, Matos Fernandes, ter dito que “quem comprar carros a diesel não terá valor de troca daqui a quatro anos”.

“Não imagina o número de chamadas que estamos a receber por causa destas declarações enganadoras”, diz o presidente do ACP, Carlos Barbosa, ao PÚBLICO, aludindo àquela afirmação do ministro. “São chamadas de pessoas que nos perguntam o que é que isto significa, pessoas que sinalizaram a compra de carros a diesel e que ficaram preocupadas. É um disparate completo”, argumenta Carlos Barbosa.

O ACP acusa o governante de ter causado alarme social. “Será ministro do Ambiente ou da Desinformação”, questiona a associação, considerando que Matos Fernandes enganou os portugueses com aquela declaração, publicada na segunda-feira, numa entrevista ao Jornal de Negócios. “As declarações do Ministro do Ambiente e da Transição Energética sobre o futuro dos automóveis são, mais do que alarmistas, altamente preocupantes. Revelam uma enorme ignorância sobre a matéria e um absoluto desrespeito pelos consumidores”, diz aquela entidade, num comunicado que foi enviado às redacções com o objectivo de “acalmar as pessoas”, diz Carlos Barbosa.

“Demos instruções à equipa da nossa linha de apoio para explicar às pessoas o que verdadeiramente está em causa e tentar sossegar as pessoas”, acrescenta. “Os carros eléctricos são uma realidade e vieram para ficar. Mas os carros a combustão não vão acabar nem em quatro nem em dez nem em 15 anos”, sustenta.

A quebra de popularidade dos motores a diesel é uma evidência por cá e no resto da Europa, onde as quotas dos motores a gasóleo têm vindo a cair de forma significativa nos últimos anos. Portugal é um dos países com um dos parques automóveis mais envelhecidos da Europa (idade média de 12,6 anos, acima da média europeia), o que tem mantido a quota do diesel acima da dos maiores mercados europeus.

Porém, observa Carlos Barbosa, nada autorizava o ministro a declarar “por decreto”, a morte dos diesel em quatro anos. Até porque, sustenta, os motores a combustão estão cada vez mais eficientes e limpos, nalguns casos com mais vantagens para o diesel face à gasolina. Barbosa recorre ao mesmo racional que ficou exposto no comunicado do ACP.

“Os motores com a norma de emissões Euro 6 em vigor e a futura Euro 7, obrigatória em 2023, já são mais limpos, garantem emissões drasticamente mais reduzidas tanto de CO2 como de NOx (monóxido e dióxido de azoto), o que significa que a combustão está para ficar, mais eficiente e ambientalmente sustentável”, defende. “Na norma Euro 7, o diesel poderá vir a ser mais limpo do que a gasolina, pelo que se prevê que as cidades ainda vão precisar de muitos carros novos a gasóleo para respeitarem os limites de emissões que estão a ser impostos”, prossegue. A pergunta, por isso, é “como é que se vai renovar o parque automóvel em Portugal, os cinco ou seis milhões de veículos que andam actualmente na estrada”.

Na entrevista, o ministro não abriu a porta a um aumento dos apoios públicos à aquisição de veículos eléctricos, defendendo que os 2250 euros de subsídio por cada veículo novo, são, em comparação com o que acontece nos outros países, uma ajuda substancial. Porém, o ministro deveria ter respondido a diversas questões em aberto sobre a electrificação do parque automóvel, diz o ACP, a começar pela exiguidade da rede de carregamento eléctrico. “Em Lisboa, os carregadores estão por conta dos carros da Uber e dos tuk tuk. Um particular que queira carregar na via pública tem de esperar pela madrugada”, garante Barbosa.

O mesmo problema é abordado no comunicado em que o ACP ataca as declarações do ministro e deixa algumas perguntas.

  • Como pretende assegurar a rede eléctrica para um consumo maciço? A actual rede pública encontra-se parcialmente danificada e inoperacional, além de estar concentrada apenas nos grandes centros urbanos. O que está a ser feito junto dos grandes distribuidores para a rede pública de electricidade suportar carregamentos em massa nos prédios e na via pública?
  • Como assegura a produção de electricidade suficiente para sustentar as necessidades de mobilidade pública e privada? Essa produção é ambientalmente sustentável ou, como aponta a Direcção-Geral do Ambiente da União Europeia, a produção de electricidade a partir de combustíveis fósseis, sobretudo centrais a carvão, é a maior fonte individual de emissão de gases com efeito de estufa?
  • Como é que vai ser a tributação fiscal para os carros eléctricos e a sua implicação na factura da electricidade doméstica? Ao defender um consumo de massas, terá o senhor ministro noção das implicações dessa medida na receita fiscal do Estado?
  • O que é que pretende fazer ao parque automóvel superior a cinco milhões de viaturas a combustão actualmente em circulação? Qual é a factura ambiental do desmantelamento deste parque?
  • Como está a ser negociado o fim da combustão com a indústria sediada em Portugal, nomeadamente com a Autoeuropa, líder das exportações nacionais, que apenas fabrica carros a combustão?

Censurando a “ligeireza” do ministro, o ACP alega ainda que “os automóveis eléctricos só são ambientalmente mais sustentáveis face aos modelos a combustão com as normas Euro 6 se a electricidade usada for 100% proveniente de energias renováveis”. “Actualmente, a maioria dos carros eléctricos em circulação têm baterias de lítio e, numa produção em escala, não está assegurada a reciclagem nem os efeitos ambientais”, acrescenta ainda.

O ACP é a segunda associação do sector a vir a público criticar as declarações de Matos Fernandes, depois de a ACAP – Associação de Comércio Automóvel de Portugal, que representa os produtores, ter vindo a público lamentar, no próprio dia da entrevista, as palavras de Matos Fernandes.

“Portugal está integrado na União Europeia e não existe qualquer regulamentação que aponte no sentido das declarações do sr. ministro”, disse então a ACAP, argumentando que a indústria automóvel “está, fortemente, empenhada na redução de emissões dos veículos”. “A prova deste compromisso é que 40% dos novos modelos anunciados para 2021 já terão a opção da motorização eléctrica. Todavia, esta transição irá ser feita de forma gradual.”

Em Portugal, há 700 mil carros a circular com mais de 20 anos de idade. Apenas 1,8% dos carros vendidos são eléctricos, uma minúscula fatia que tem crescido a grande ritmo, mas que deixa Portugal muito longe de ser um mercado de alternativa aos carros com motores de combustão.

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