Gonçalo Reis fala sobre experiência de organizar um evento que chegará à casa de 200 milhões de espectadores, incluindo o orçamento. A cerimónia de abertura é no domingo, dia 6, no MAAT.
Gonçalo Reis está entre os que se tinha desinteressado do concurso. “A minha reconciliação tem que ver com a reconciliação da RTP e do público com a Eurovisão”. A vitória de Salvador Sobral em Kiev há quase um ano trouxe “responsabilidade” e “oportunidade” de organizar o evento em Lisboa. É assim que o presidente da RTP descreve a experiência de organizar um espetáculo que que vai chegar a 200 milhões de espectadores. Estamos junto ao Altice Arena, onde vão decorrer as semifinais (8 e 10 de maio) e a final (12 de maio).
Já tem uma canção preferida?
É sempre a nossa. Mais a mais, dá sorte.
Estaríamos preparados para ganhar outra vez?
Nós já estamos a ganhar se fizermos um excelente festival e essa é a nossa principal obrigação – mostrarmos que temos capacidades profissionais e criativas para fazer um grande evento, de padrão internacional. Isso é uma vitória em si. Depois que a nossa música tenha o maior sucesso. Isso desejo sempre.
Podemos dizer que este é maior evento que a RTP já organizou?
Eu julgo que é. Vem de uma longa tradição a RTP fazer de host broadcaster dos grandes eventos que projetam Portugal. Fizemos no Euro 2004, cimeiras europeias, este que é à escala global… Se há alguma coisa que projeta Portugal e que é relevante para a imagem de Portugal, então a RTP tem de lá estar. Esse é também o nosso papel como host broadcaster. Essa é também a nossa preocupação: assegurar a transmissão por televisão, rádio e digital dos grandes eventos que projetam o país.
Como quer que a RTP seja percecionada pelas outras 42 estações de televisão que aqui estão?
Julgo que já estamos a ser vistos, e seremos vistos depois do evento, como um operador dos melhores do mundo. Vamos mostrar que somos capazes de fazer um projeto deste alcance, dimensão e complexidade com uma dose total de profissionalismo e criatividade, colocando a RTP entre os mais importantes operadores internacionais.
Um dos aspetos que mais têm frisado é que têm trabalhado com criativos portugueses.
Ganhar a Eurovisão foi uma vitória que se transferiu para uma responsabilidade, mas é também uma grande oportunidade. Acontece uma vez numa geração podermos mostrar as nossas capacidades em termos de host broadcasting. A Eurovisão tem padrões e parâmetros a nível técnicos muito definidos, mas deu-nos enorme margem a nível criativo. A mensagem foi “façam o [Festival da] Eurovisão português”, com a vossa personalidade, com o vosso caráter, e isso foi o que tentámos fazer. O conceito que nós desenvolvemos, o All Aboard [Todos a Bordo], é dito em inglês porque é uma obrigação, tem de chegar a todo o mundo, mas é um conceito que anda à volta de um país criativo, com uma cultura aberta, inclusiva, da diversidade, positiva, de quem está de bem no mundo. Sermos capazes de passar os valores da multiculturalidade. É muito importante que seja Portugal e é positivo que seja a RTP a afirmar esses valores. Na final vamos ter o Salvador Sobral a cantar em dueto com o Caetano Veloso. Quantos países europeus eram capazes de juntar um intérprete português com um intérprete brasileiro? Só os portugueses, porque só nós temos a capacidade de juntar as várias culturas e foi uma das tónicas que quisemos passar para esta edição do festival.
A Eurovisão é um evento em que a RTP é mais do que host broadcaster. Traz muitas pessoas durante muitos dias.
O alcance deste evento é muito mais do que um show televisivo ou do que um conjunto de shows televisivos. Dura várias semanas, que nós fazemos em articulação com a Câmara de Lisboa, com o turismo, em que tem uma dose de logística alucinante. São 43 delegações, com exigências longas. Os ensaios duram bastantes semanas. Tivemos de reservar o espaço [Altice Arena] durante seis semanas, com exigências técnicas, até a nível de segurança física, segurança contra ciberataques, exigências em termos de tecnologia, de iluminação, de palco, de cenografia… Estão vários patamares acima do que é a nossa produção habitual e, portanto, o papel da RTP é alargado num evento destes e também é uma mais-valia porque as nossas pessoas não estiveram apenas a trabalhar num show de televisão e rádio, mas para um evento que é multidisciplinar.
Qual é a sua principal preocupação neste momento?
A minha preocupação é que as pessoas sejam mesmo felizes durante a semana toda. Estamos a falar para o mundo inteiro, queremos chegar ao mundo inteiro e transmitir uma imagem positiva de Portugal e de Lisboa. Transmitir uma imagem positiva de um país que recebe 43 países e que projeta uma atitude tranquila e serena. Pela primeira vez um país da Eurovisão vai transmitir o espetáculo nos seus canais internacionais. A RTP não vai transmitir apenas para Portugal. Vamos colocar na RTP África, na RTP Internacional para o continente europeu e para a Ásia. Para os EUA há temas de direitos que impedem que seja a RTP Internacional a fazê-lo. Isso significa uma capacidade de chegar muito mais longe do que as nossas fronteiras.
Disse que esta seria a Eurovisão mais barata da última década. De quanto será essa fatura? Os valores de outros países situam-se entre os 25 e os 45 milhões de euros.
Posso prometer, e prometo, que vai ser a Eurovisão mais barata. Não vamos chegar aos 25 milhões de euros, nós temos um valor de 20 milhões de euros. Este valor teve que ser aprovado pela Eurovisão, que não aceitou um valor inferior, porque as exigências técnicas, os padrões e os temas de segurança definiam como patamar mínimo estes 20 milhões. As receitas que obtemos, de bilheteira, da própria Eurovisão, da cidade, do Turismo, serviços que vendemos às delegações e patrocínios cobrem cerca de 80% destes custos.
À RTP cabem 20% dos custos [4 milhões de euros].
É o contributo da RTP. Fizemos o máximo possível por gerir recursos de maneira eficiente. Fizemos um grande esforço para ir buscar as receitas máximas. Há um diferencial que é o contributo da RTP para que este evento beneficie o país inteiro, à semelhança de outras contribuições que temos dado em outros eventos desta natureza, quando colocamos novos canais na TDT [Televisão Digital Terrestre] e não temos receitas de publicidade, quando colocamos o nosso arquivo histórico [online] ou quando apoiamos o cinema português. para lá da lógica comercial. Também acho que vale a pena dizer que é um evento que tem um impacto muito significativo, financeiro, forte. É um fator de pressão forte em 2018, mas não coloca a sustentabilidade da empresa, a prazo, em causa.
Em que foi preciso o cortar para chegar as estes 20 milhões de euros?
Nós dissemos desde o momento zero que queríamos fazer um Festival da Eurovisão elegante, sofisticado, mas com contenção de meios, à semelhança do Salvador Sobral que nos deu a vitória em 2017. Trabalhámos muito no sentido de tentar incorporar as valências que temos dentro da RTP. Por exemplo, o conceito All Aboard podia ter sido desenvolvido por uma agência de publicidade externa mas foi desenvolvido pelas equipas criativas da RTP.
É verdade que a RTP está a adiar os pagamentos para depois do festival?
Não vale a pena negar que um projeto desta escala e com esta concentração temporal implica uma forte pressão na tesouraria da RTP. Temos vindo a fazer uma gestão cautelosa. Tivemos um primeiro trimestre com contas impecáveis, como foram os últimos três anos, mas o evento em si obriga a uma determinada programação. Um ano tem 12 meses, há uma grande concentração de esforço no mês de maio, a seguir ainda vem o Mundial, cabe-nos fazer gestão ponderada. É muito importante que as pessoas estejam tranquilas em dois aspetos: nunca passaríamos as exigências do festival para as pessoas da RTP. Também assumimos o compromisso de que a Eurovisão não vai pôr em causa a programação dos canais de rádio e televisão que não seja a RTP1. Cabe-nos fazer equilíbrios apertados, mas possíveis. A RTP tem demonstrado nos últimos anos que consegue colocar coisas novas em cima da mesa com os mesmos recursos. Mas também direi que com algum crédito ficaremos, porque começa a ficar claro que a instituição RTP está a dar resposta aos desafios. Vai fazer um evento de nível internacional do melhor que se faz no mundo, com receitas e modelos de financiamento que são dos mais baixos da Europa.
No momento em que organizam o evento mais importante mudou a administração. Nuno Artur Silva, programação, e Cristina Tomé, financeira, não foram reconduzidos. Que impacto teve esta mudança?
O projeto Eurovisão estava bem programado há bastantes meses, portanto não sofreu com temas relacionados com a administração que, aliás, já estão resolvidos. A estrutura de direção da empresa assegurou totalmente, o presidente faz o bypass e não há tema nenhum. Está absolutamente resolvida a questão da administração.
Quem é a nova administradora financeira, que vai receber as contas?
Já está absolutamente resolvido. É normal que os processos tenham determinados calendários. Todos estamos a fazer aprendizagens em relação a um determinado modelo de governança. A RTP tinha uma administração competente e vai ter uma administração competente. A transição está assegurada.
A questão dos voluntários foi notícia e o PCP levou-a à última comissão de cultura com o ministro Luís Castro Mendes.
Com todo o respeito, é uma tempestade num copo de água. O voluntariado é um modelo da Eurovisão. Há sempre. Em todos os países. Houve situações em que houve 800 voluntários.
Quantos serão aqui?
Serão 400. Tiveram todas as autorizações do ministro do Trabalho e da área da educação. Há uma adesão enorme. São 400 postos de voluntários e houve mais de 2 mil candidaturas, algumas internacionais. É um registo normal, europeu, civilizado, uma boa prática. Eu fui fazer uma conferência à ETIC e no final perguntaram como é que se podiam inscrever como voluntários. Vamos desdramatizar. As pessoas querem.