Lula diz-se “vítima de mentira” em interrogatório sobre Sítio
"Para meu esclarecimento, doutora, eu sou o dono do Sítio ou não?", ironizou o o antigo presidente no início das quase três horas de depoimento à substituta do juiz Sergio Moro na terceira ação em que é réu no âmbito do Petrolão
Lula da Silva negou ser o dono do Sítio de Atibaia, desmentiu qualquer relação entre as obras realizadas nesse imóvel e o escândalo do Petrolão e contestou o teor da ação, em interrogatório de perto de três horas no âmbito da Operação Lava-Jato, conduzido pela juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro, na 13ª vara da justiça federal, em Curitiba, no Paraná. “A minha prisão é um prémio para os meus acusadores”, disse Lula à magistrada, conforme testemunhas do interrogatório. Segundo as mesmas testemunhas, citadas pelo portal UOL, em nenhuma circunstância Lula se referiu ao facto de Moro, que iniciou o processo, ter entrado no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.
Em vídeo divulgado pela justiça federal referente ao início do interrogatório, é Lula quem começa a questionar a juíza e não o contrário. “Doutora, eu estou disposto a ouvir toda e qualquer pergunta, mas para meu esclarecimento eu sou o dono do Sítio ou não?”, ironizou. Gabriela Hardt rebateu: “Isso é o senhor que tem de responder, não eu”. Após uma troca de palavras entre o réu, o seu a advogado e a juíza, Lula diz-se “vítima de uma mentira”.
O processo do Sítio de Atibaia refere-se a uma propriedade rural frequentada pelo antigo presidente, a cerca de 100 quilómetros de São Paulo, que teve obras de melhoramentos no valor de cerca de 200 mil euros pagas por duas construtoras, Odebrecht e OAS, e pelo empresário José Carlos Bumlai. Afirma o ministério público que as obras na propriedade rural foram efetuadas na qualidade de “vantagens indevidas” a Lula por favores prestados pelo presidente àquelas empresas e aquele empresário em negócios com a estatal petrolífera Petrobrás, o epicentro do escândalo do Petrolão e da Operação Lava-Jato que o investiga. Evidências de que o imóvel pertencia, de facto, a Lula, como objetos pessoais do antigo presidente e dos seus familiares no Sítio serviram de base da acusação.
Lula admite que era frequentador do local mas nega que seja o seu proprietário – de facto, o Sítio de Atibaia está em nome de Fernando Bittar e de Jonas Suassuna, sócios do filho do antigo presidente. Os seus advogados veem sublinhando também que não há qualquer relação entre o dinheiro da obra e desvios da Petrobrás. Outro réu no processo, Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora da sua família, sugeriu que o pagamento das obras se deveu à relação próxima entre a empresa e Lula mas negou a conexão com os negócios com a petrolífera estatal.
O antigo presidente percorreu, rodeado de seis automóveis e oito motos de batedores, os cerca de quatro quilómetros da superintendência, onde está detido, até à 13ª vara do tribunal, onde foi ouvido, às 13h30 (15h30 em Lisboa). Sairia quase três horas depois. Foi aclamado à entrada e à saída por apoiantes que fazem vigílias diárias na região, perante os quais, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, aproveitou para realizar um discurso. Moradores da área, entretanto, gritaram palavras de ordem contra o político como “Lula ladrão, seu lugar é na prisão”. Não houve bloqueios à circulação de carros e pessoas ao longo dos trajetos mas junto ao edifício da justiça federal foi proibido estacionar viaturas ou ficar parado a observar os movimentos da caravana que transportava o réu.
Foi a primeira vez, desde a sua prisão em abril, que Lula deixou a cela onde cumpre pena pela posse do apartamento tríplex no Guarujá, litoral de São Paulo. Antes de ser ouvido, já depois das 15 horas (17 em Lisboa), o ex-sindicalista esperou o fim da audiência do empresário José Carlos Bumlai, outro réu no processo. Pela manhã recebera a visita do candidato presidencial do PT Fernando Haddad.
Para Gabriela Hardt, por sua vez, o dia começou logo às 9h20, com a chegada à sede da justiça federal de Curitiba. O juiz que ela substitui, Sergio Moro, que nos últimos dias foi visto no edifício apesar de estar em trânsito para o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, hoje não foi ao seu antigo local de trabalho.
Depois de ouvidos todos os réus e testemunhas, segue-se o prazo para as alegações finais do ministério público e da defesa de Lula. O passo seguinte é a leitura da sentença por Gabriela Hardt.
Este é o terceiro processo no contexto da Lava-Jato em que Lula é réu. No primeiro, conhecido como o caso do Tríplex do Guarujá, foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro a nove anos e meio de prisão por Moro, pena entretanto agravada em segunda instância para 12 anos e um mês. No segundo, foi absolvido da acusação de obstrução de justiça por suposta tentativa de compra do silêncio de uma testemunha do escândalo na Petrobrás.
O antigo presidente aguarda, entretanto, sentença de um caso envolvendo um terreno doado pela Odebrecht para a construção do instituto que leva o seu nome. E responde a processos noutras duas operações policiais, a Zelotes e a Janus, por favorecimento a empresas através da sua ação enquanto presidente.