Numa rápida e turbulenta sucessão de ordens judiciais, que apanharam de surpresa os meios políticos, jurídicos e jornalísticos brasileiros, o antigo Presidente Luíz Inácio Lula da Silva viu deferido um pedido de habeas corpuspara a sua libertação imediata da prisão — uma decisão que primeiro não foi executada, mais tarde foi reiterada, depois acabou por ser suspensa, e finalmente voltou a ser confirmada, juntamente com um prazo de uma hora para a saída do líder histórico do Partido dos Trabalhadores (PT) da cadeia. Aguardam-se agora as cenas do próximo capítulo.
Entretanto, já escreveu outros dois despachos no mesmo sentido, reforçando a sua posição perante a acção dos juízes Sergio Moro e João Gebran Neto, ambos com responsabilidades na investigação anti-corrupção conhecida como Lava Jato, e que tentaram impedir a execução, e mais tarde suspender, a ordem de libertação imediata de Lula. “Não estamos em regime político e nem judicial de excepção”, censurou Rogério Favreto, que acompanhou o seu terceiro despacho com um prazo de uma hora para que a polícia soltasse Lula da Silva. “Eventuais descumprimentos importarão em desobediência de ordem judicial, nos termos legais”, acrescentou.
A saga jurídica começou momentos depois de conhecida a primeira decisão de Favreto. O juiz Sergio Moro recusou o cumprimento da ordem do desembargador, que considerou “autoridade absolutamente incompetente” para deliberar sobre a libertação de Lula da Silva sem o acordo do relator do caso no tribunal regional federal, João Gebran Neto, ou ainda da pronúncia do plenário do Supremo Tribunal Federal.
O jornal Folha de São Paulo recordava que Favreto defendeu a abertura de um processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro, por suposta parcialidade política. O juiz desembargador foi filiado no PT entre 1991 e 2010, e ocupou os cargos de assessor da Casa Civil do Presidente e do ministro da Justiça, Tarso Genro, durante o Governo de Lula da Silva.
O desembargador emitiu então um segundo despacho reiterando a ordem exarada no alvará para a libertação de Lula da Silva, e determinando o seu cumprimento “imediato” pela polícia federal, “sob pena de responsabilização por descumprimento de ordem judicial, nos termos da legislação incidente”.
Mas logo entrou em acção o juiz relator do caso, João Gebran Neto, instado por Sergio Moro. O magistrado decidiu suspender a ordem subscrita pelo desembargador Rogério Favreto que determinava a libertação do antigo Presidente, ainda no domingo. “Para evitar maior tumulto para a tramitação deste habeas corpus, e até porque a decisão proferida em carácter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo, em qualquer momento, determino que a autoridade coactora e a Polícia Federal do Paraná se abstenham de praticar qualquer ato que modifique a decisão colegiada da 8ª Turma do tribunal”, escreveu Gebran, referindo-se à sentença de Lula.
No despacho da decisão, Fraveto deu razão aos deputados, afirmando que os recursos apresentados pela defesa de Lula foram indeferidos “sem a adequada fundamentação ou sequer análise dos pedidos”.
Além disso, o juiz diz que, desta vez, foram apresentados dados novos, nomeadamente o facto de Lula ser pré-candidato às eleições presidenciais brasileiras: “Tenho que o processo democrático das eleições deve oportunizar [sic] condições de igualdade de participação em todas as suas fases, com o objectivo de prestigiar a expressão de ideias e projectos a serem debatidos com a sociedade”, cita a Folha.
Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral, a autorizar ou indeferir a candidatura de Lula da Silva é esperada no próximo mês. Juristas ouvidos pelo jornal Estado de São Paulo consideram que a situação de inelegibilidade do antigo Presidente, ao abrigo da lei da Ficha Limpa, se mantém inalterada mesmo que Lula saia da prisão: como apontaram, a decisão judicial deste domingo diz apenas respeito ao cumprimento da pena e não à sentença de condenação por corrupção.
Favreto utiliza ainda este argumento para justificar que a sua decisão não choca com a do Supremo, que negou o pedido da defesa para evitar a prisão depois de esgotados os recursos em segunda instância, pois, na altura, não foram analisados estes novos elementos.
O juiz afirma ainda que Lula foi alvo de “constantes violações de direitos constitucionais” ao serem-lhe recusados “diversos pedidos de visitas familiares, profissionais, institucionais e até espirituais”.