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Brexit: que países serão mais atingidos por uma saída sem acordo?

O exercício é necessariamente incompleto, mas o ING, instituição financeira de origem holandesa, estudou que países vão ser mais afetados pelo Brexit. Portugal não faz parte do topo do quadro, mas ninguém sai sem alguma perturbação.

A maioria das contas que já se fizeram para uma situação de saída do Reino Unido da União Europeia sem acordo tem por foco o próprio Reino Unido, mas os holandeses do ING optaram por olhar para o outro lado, o dos 27 que se mantêm no agregado. Para concluir, desde logo, que “há muitas formas de um Brexit sem acordo revelar-se perturbador”.

Para o setor dos serviços, a Europa vive para já na “incerteza em torno da partilha de dados, do acesso aos mercados financeiros; e da futura liberdade de movimentos, mas os holandeses quiseram também lançar um olhar sobre o comércio.

Na ótima do ING, existem dois obstáculos principais. O primeiro deles é que algumas exportações do Reino Unido para a UE enfrentarão tarifas substancialmente mais altas. “Deixar a União Aduaneira pode criar dores de cabeça em torno das regras de origem e também introduzir tarifas sobre mercadorias”. As remessas com destino à UE estarão sujeitas ao cronograma tarifário da Organização Mundial do Comércio (OMC), que Bruxelas aplica a países com os quais a UE não tem nenhum tipo de acordos comerciais.

A tarifa média ponderada que o Reino Unido teria que pagar sobre suas exportações para a UE é de 3,9%. No entanto, o ING chama a atenção para que “há uma grande variação nas tarifas em diferentes produtos. Vestuário, carros e produtos agrícolas tendem a enfrentar as tarifas mais duras. As taxas mais altas são sobre produtos lácteos e produtos agrícolas – com alguns produtos a poderem chegar aos… 178%.

O Reino Unido pode reduzir as tarifas sobre as importações da União, mas isso, a prazo, podia ser um desastre: iria corroer a competitividade das empresas britânicas no mercado interno. E também não ajudaria o Reino Unido a encontrar outros fornecedores: ser-lhes ia muito difícil fechar acordos de livre comércio com o resto do mundo, já que não haveria muito a oferecer em termos de redução de tarifas.

Por outro lado, e uma vez que o cabaz de exportações para o Reino Unido varia significativamente de um país da UE para o outro, as tarifas seriam diferentes para cada Estado-membro. “A Irlanda, por exemplo, exporta muitos produtos de consumo diário, carne e produtos agrícolas sujeitos a impostos acima da média. Para alguns outros países, o oposto é verdadeiro. As exportações finlandesas, por exemplo, são dominadas por papel e produtos de madeira, para os quais as tarifas são tipicamente baixas”.

Além das tarifas médias ponderadas, alguns países negoceiam direta ou indiretamente com o Reino Unido mais do que com outros países. Em média, 1,9% do PIB da UE depende da procura final do Reino Unido (o contrário, a procura da UE no Reino Unido, vale 6,8% do PIB britânico), mas existem diferenças consideráveis ​​entre os países da UE. Alguns exemplos: as compras do Reino Unido pesam 7,4% do PIB irlandês, mas apenas 0,6% do PIB grego.

Os países vizinhos do Reino Unido, Irlanda, Bélgica e Holanda estão particularmente expostos. Embora Malta também seja altamente dependente da procura do Reino Unido, ela está quase totalmente concentrado no setor de serviços, que é menos afetado pelas tarifas. A Eslováquia, a Polónia e a Dinamarca também apresentam uma exposição acima da média da UE-27. Chipre é o caso mais ‘desesperado’.

Em termos de setores, os dados mostram que as empresas da União das áreas da mineração e pedreiras são mais dependentes da procura da Grã-Bretanha. Mas é improvável que as empresas de mineração estejam entre as mais atingidas por um Brexit sem acordo, porque as tarifas para esses setores são geralmente inferiores a 1%. Estes bens serão também menos afetados por fricções decorrentes da saída repentina do mercado único da UE.

Ao contrário, as empresas do setor automóvel e as produtoras de alimentos serão muito afetadas, já que as tarifas sobre esses tipos de produtos são muito maiores e a dependência da procura britânica também está acima da média. Farmacêuticas, transporte aéreo, eletrónica e têxtil (por esta ordem) são os restantes setores com exposição relevante ao mercado britânico.

O outro problema é a fronteira física à entrada no Reino Unido. Os produtos europeus estarão sujeitos a verificações nas fronteiras do Reino Unido para garantirem o cumprimento das regras britânicas. “O provável aumento dos custos pode ser uma razão para não exportar para o Reino Unido”, refere o ING.

Alimentos e produtos de origem animal tendem a ser os mais examinados. E a instituição holandesa chama a atenção para o facto de nem Dover nem Calais (portos que ligam as duas margens do Canal da Mancha, terem postos de inspeção de fronteira necessários para fornecerem exames veterinários – embora a França esteja já a construir essas infraestruturas.

“Tomemos um exemplo: o Reino Unido exporta 81% do peixe que captura e importa uma proporção significativa do que come. Dada a capacidade limitada para realizar os controlos veterinários/fitossanitários, existe potencial para longos atrasos em ambos os lados do canal.

O governo do Reino Unido já disse que não haverá uma opção realista para realizar verificações na fronteira com a Irlanda do Norte. “Isso pode induzir um maior escrutínio das alfândegas da UE nas fronteiras do Reino Unido, pois oferece incentivos para o contrabando”, alerta o ING.

As fricções portuárias também serão um grande problema para as cadeias de suprimentos just-in-time. A Associação Britânica de Transporte de Carga estimou que, para cada minuto extra que um camião perde na alfândega em Dover, aproximadamente 30 quilómetros de filas adicionais formar-se-iam nas principais estradas do Reino Unido. Ora, “Isso aumenta potencialmente o custo do transporte e reduz a viabilidade de remessas de valor mais baixo”. Uma situação semelhante poderia ocorrer no lado francês da fronteira.

Feitas as contas, a instituição holandesa não conseguiu detetar um único bom motivo para que o Brexit seja concluído sem acordo. Mas o certo é que os chamados ‘hard brexiters’ – todos eles, ou quase, acantonados no partido da primeira-ministra Theresa May, continuam a achar que essa é a única forma de o Brexit ser um Brexit verdadeiro.

Origem
Jornal Economico
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