Investigadora diz que desafio da tecnologia para cegos é dar-lhes independência no mundo real
A tecnologia pôs os cegos em pé de igualdade com toda a gente no acesso à informação, mas o desafio atual é ajudá-los a serem independentes no mundo real, o que pode começar com um telemóvel, segundo uma investigadora de topo, ela própria cega desde os 14 anos.
Em entrevista à agência Lusa, a investigadora japonesa Chieko Azakawa, que veio a Lisboa para a conferência anual da empresa IBM, afirmou que “o desafio atual é o mundo real” e o uso de inteligência artificial, reconhecimento facial e reconhecimento de objetos.
O resultado concreto da aplicação dessa tecnologia são “smartphones” capazes de reconhecer objetos ou robôs que conseguem guiar uma pessoa cega pelo labirinto de indicações que caracteriza um aeroporto.
Chieko Azakawa nasceu em Osaka em 1958 e ficou cega aos 14 anos, depois de uma queda numa piscina que lhe danificou o nervo ótico.
Nos anos 90, foi a autora de um programa que convertia texto para voz num programa de navegação na Internet e que acabou por se tornar a principal ferramenta do género do gigante informático IBM.
“Quando apareceram os computadores pessoais, só tínhamos papel, Braille e livros gravados como fontes de informação. Antes de termos a tecnologia, não conseguíamos aceder à informação sozinhos”, afirmou.
Com o advento dos computadores e da Internet, “tudo mudou”, considera a investigadora, ao ponto de hoje, uma pessoa cega poder “conseguir qualquer informação de qualquer parte do mundo”, usando tecnologia de conversão de texto em voz quando acede à Internet.
É por isso que “a tecnologia é a chave para aumentar a acessibilidade da informação, não importa onde esteja, quer seja na ‘cloud’ ou num computador pessoal”, destaca.
“Estou concentrada em como a tecnologia pode levar pessoas cegas a moverem-se independentemente no mundo real, reconhecendo ou compreendendo o que nos rodeia”, disse.
“Se tivéssemos a tecnologia suficiente, poderíamos ver o mundo. Mas não estamos lá. Temos que ir passo a passo”, salientou.
Um dos passos, a tecnologia Navcog, permite a pessoas cegas com um telemóvel orientarem-se sozinhas dentro de um edifício, em que são colocados sensores com tecnologia Bluetooth capaz de comunicar com o aparelho.
“Todos os componentes necessários estão em código aberto, para quem quiser tornar o seu edifício acessível”, indicou.
No telemóvel, passa-se o mesmo do que nos navegadores para carros ou peões, mas com um nível de localização muito mais preciso, essencial para lugares com os quais não estão familiarizados.
Outros caminhos em que Chieko Azakawa trabalha são um robô capaz de guiar uma pessoa cega através de um aeroporto, ou a tecnologia de legendagem de imagens, em que uma fotografia tirada num telemóvel e enviada para um servidor pode regressar com uma descrição que permite a uma pessoa cega perceber o ambiente em que está.
Para exemplificar, Chieko Azakawa tira da mala dois objetos: uma caixa com rebuçados típicos portugueses e uma lata de sardinhas em conserva.
Em minutos, o seu telemóvel orientou-a através de indicações de voz para tirar fotografias dos dois objetos e colar a cada uma etiqueta com uma descrição.
Da próxima vez que o telemóvel da investigadora “vê” a lata de sardinhas e a caixa de rebuçados através da câmara embutida, “sabe” do que se trata e diz-lhe.
“A capacidade de invenção vem da necessidade diária”, diz Chieko Azakawa, que apela aos jovens investigadores na área das acessibilidades para que conheçam as comunidades para quem trabalham, as suas necessidades, e que procurem que o seu trabalho possa ajudar a maior variedade possível de pessoas.
O que facilita a mobilidade a uma pessoa cega pode fazer o mesmo por uma pessoa que anda de cadeira de rodas, afirmou.