98% dos carros feitos na Europa têm peças ‘made in Portugal’
Indústria de componentes gerou um recorde de 11,3 mil milhões de euros em 2018. Mas o futuro tem vários riscos.
Nada mais, nada menos de 98% dos carros feitos na Europa têm uma peça fabricada em Portugal. Graças a isso, a indústria de componentes conseguiu um novo recorde no ano passado: passou a valer 11,3 mil milhões de euros. Mas há obstáculos a vencer na estrada, desde as mudanças na indústria automóvel, onde os carros elétricos ganham cada vez mais peso, à falta de diversificação das exportações, aumento dos custos de logística e ainda à concorrência dos países de leste e de Marrocos.
De Portugal sai todo o tipo de peças para as fábricas europeias: desde os estofos da Coindu para os carros do Grupo Volkswagen; as espumas e tecidos da ERT Têxteis para os carros de luxo da Rolls-Royce e da Maserati; ou ainda as caixas de velocidade para os carros da Renault, que são produzidas a partir de Cacia, no distrito de Aveiro.
É, por exemplo, nas caixas de velocidades que se vai viver o futuro da indústria de componentes: por causa dos automóveis elétricos, estas caixas terão de sofrer fortes transformações para conseguirem lidar com os motores movidos a baterias e não com os motores de combustão. Esta será uma das maiores transformações que serão sentidas pela indústria de peças nos próximos anos, segundo um estudo divulgado durante o evento pela consultora Roland Berger.
Ao mesmo tempo, as empresas nacionais terão de apostar na diversificação dos mercados de exportação, que representou 83% do volume de negócios (9,4 mil milhões de euros) no ano passado. Entre as peças que ficam na Europa, mais de metade têm como destino Espanha (21%), Alemanha (17%), França (12%) e Reino Unido (8%). Entre estes quatro motores da economia, no entanto, apenas o espanhol dá garantias de aumento da produção nos próximos anos; os restantes vão estagnar ou mesmo perder potência, como França e Reino Unido. “Precisamos de diversificar cada vez mais as exportações de automóveis. Temos de começar a abraçar outras geografias, sobretudo fora da Europa”, apontou Luís Castro Henriques, presidente da agência de investimento AICEP.
Portugal enfrenta também o desafio dos custos, sobretudo na produção e na receção e envio de peças para o estrangeiro. Na produção, a AFIA voltou a chamar a atenção para os “custos excessivos da eletricidade”; na logística, a falta de investimento na ferrovia é vista cada vez mais como um obstáculo, tendo em conta que as estradas “representam 95% dos movimentos e existe cada vez mais pressão ambiental”, avisou Adolfo Silva, diretor da AFIA.
A concorrência internacional também é vista como um obstáculo a ultrapassar, seja vinda do Leste da Europa ou até de Marrocos. “Temos de estar atentos aos riscos de deslocalização da indústria automóvel para países como Polónia, Hungria e Roménia”, notou José Couto, líder do cluster automóvel Mobinov. No caso de Marrocos, os industriais chamaram a atenção para o “investimento impressionante em infraestruturas e a estratégia agressiva de captação de investimento estrangeiro”.
Estes e outros riscos podem penalizar uma indústria que dá emprego direto a 55 000 pessoas, que conta com 265 fábricas em praticamente todo o país (ver mapa) e que representa 5% de toda a economia nacional. Os dados foram revelados ontem pela AFIA – Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel no 9.º Encontro da Indústria Automóvel.
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Para dar a volta, a indústria de componentes lança várias propostas. Jorge Rosa, presidente da ACAP – Associação Automóvel de Portugal, entende que “é fundamental aproximar os fornecedores de peças dos fabricantes automóveis no desenvolvimento de produtos”. Rodrigo Custódio, da Roland Berger, considera que a indústria portuguesa “pode antecipar-se à estagnação dos modelos de combustão, sobretudo na Europa, e tirar benefícios desta situação”. Isabel Furtado, presidente da associação COTEC, defende que o país “precisa de pensar em inovação, aberta e colaborativa”, e ainda “apostar na indústria 4.0”.
Para já, em 2019, prudência é a palavra de ordem. “Vivemos uma fase de enormes mudanças no setor automóvel e poderemos estar a ver os primeiros sintomas de estagnação na Europa”, avisou Tomás Moreira, presidente da AFIA.