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Jamaica: detidos na Avenida da Liberdade tinham antecedentes criminais

A polícia ainda está a tentar perceber qual a ligação da manifestação da Baixa de Lisboa e os incidentes da noite passada, com explosivos atirados para a esquadra da Bela Vista. Mas uma coisa já sabe: nenhum dos jovens detidos é da Margem Sul, ou do bairro da Jamaica, onde ocorreram os acontecimentos que deram origem aos protestos.

Os quatro detidos na segunda-feira, nos confrontos com a polícia na Avenida da Liberdade, em Lisboa, tinham quase todos cadastro ou ficha na polícia – exceto um, que não era conhecido da polícia. Fonte policial disse ao DN que um dos detidos tem mais de 40 registos de crimes ou incidentes. E todos os outros partilham problemas com a polícia, como acusações de agressões, ofensas à integridade física, desacatos, entre outros.

Só há um português no grupo – os outros são dois guineenses (entre eles o que não estava referenciado na polícia) e um cabo-verdiano. Todos residentes em Portugal. Nenhum é do bairro da Jamaica, onde ocorreram os acontecimentos que levaram ao protesto no centro de Lisboa em que foram detidos. Dois são do Cacém, um de Paço de Arcos, outro da Póvoa de Santo Adrião e Paio Pires. Têm julgamento sumário marcado para 7 de fevereiro.

A polícia ainda está a investigar a relação entre os incidentes da Avenida da Liberdade, ao final da tarde, e os que aconteceram durante a noite de ontem – o mais grave dos quais foram os três cocktails Molotov atirados pelas 03.15 do dia 22 de janeiro para as instalações da polícia. Dois bateram na parede por baixo de duas janelas e o outro ficou-se pelas escadas de acesso à esquadra, que fica no rés-do-chão do prédio.​​

Também ainda não há explicações para o que pode ser considerado um ataque à PSP. E também na Bela Vista, entre todos os detidos – uma pessoa e três identificadas -, nenhum era da Margem Sul do Tejo. Mas, tal como não há garantias de que a ação foi feita por pessoas do bairro, também não há certezas do contrário. E a tanta incerteza junte-se outra: não é claro que exista uma ligação entre os carros e caixotes incendiados e os cocktails Molotov e os incidentes ocorridos no bairro da Jamaica, no Seixal, na manhã de domingo, em que os agentes da PSP que foram ao bairro estão a ser acusados de uso excessivo de força e de racismo.

O regresso destes bairros às notícias, onde há muito não estavam, foi, para já, o principal efeito dos distúrbios. “Isto é só garganta. Nada mais“, gritava um dos moradores, mesmo por cima da esquadra da PSP da Bela Vista, atraído, talvez, pelo regresso dos jornalistas ao bairro. Estes foram, de facto, os dois minutos mais empolgantes da manhã de terça-feira neste bairro de Setúbal. Mas a noite não foi assim.

O incidente foi classificado pela PSP como ato de vandalismo, a exemplo dos carros e caixotes do lixo incendiados em Odivelas, Póvoa de Santo Adrião e Cidade Nova (Loures). E fizeram lembrar o início de maio de 2009 – quando algumas noites de violência atingiram o bairro depois de um grupo de jovens se ter juntado em frente à esquadra para homenagear um amigo que tinha sido morto durante uma perseguição policial, após um assalto a uma caixa multibanco no Algarve. Na altura, houve detenções, disparos contra a esquadra, rebentamento de petardos e reforço de segurança.

Nesta terça-feira aconteceu o contrário. Se não fossem as câmaras de televisão, as duas manchas pretas na parede do rés-do-chão onde se situa a esquadra, o trabalho de limpeza dos funcionários da câmara e algumas conversas, poucas, teria sido mais um dia igual aos outros nesta zona de Setúbal.

A polícia não estava visível na rua e só a presença dos elementos do Laboratório Científico da Polícia Judiciária com os seus fatos brancos a recolher resíduos para ajudar a investigar sobre os autores desta ação contra a esquadra dava um toque pitoresco ao cenário vivido na Avenida da Bela Vista durante toda a manhã.

Polícia só ouviu o estrondo

Segundo as informações recolhidas pelo DN, os agentes que estavam na esquadra da Bela Vista durante a madrugada desta terça-feira não se aperceberam da aproximação de ninguém ao edifício. Mas há uma certeza – o cocktail Molotovatirado para a entrada das instalações policiais tinha como alvo o agente que estava de serviço à porta, que, devido à pouca luz, acabava por, segundo a fonte do DN, ter pouca visibilidade para o exterior.

Sem testemunhas, a PSP também não deverá contar com muita colaboração por parte das pessoas do bairro, pelo menos nestes próximos dias. “Interessa culpar as pessoas daquele bairro. Por isso, apenas daqui a alguns dias é que começarão a colaborar com a investigação, pois têm medo de represálias.”

Voltemos então à rua principal da Bela Vista, onde algumas pessoas passaram a manhã encostadas à parede a olhar para… a parede do outro lado da rua. Em voz baixa ouviam-se algumas considerações sobre quem poderiam ser os autores do lançamento dos cocktail Molotov- “eles nem à noite se veem”, ouviu-se, por exemplo -, mas a verdade é que ninguém arriscava maiores considerações.

Com a PSP a emitir um comunicado em que dizia estar a investigar os incidentes e não havendo, para já, relação “com a manifestação ocorrida no Terreiro do Paço”, ficam os alertas para a falta de condições da esquadra. Como frisou ao DN António Lopes, dirigente da Associação Sindical da Polícia (ASPP-PSP): “Nem tem acesso para deficientes. E está num local vulnerável. A ASPP sempre defendeu que devia ter câmaras no interior e no exterior.” E lembra que a associação defende que as esquadras da PSP não devem ser instaladas em prédios.

Apesar desta localização, a verdade é que desde os incidentes de há dez anos a situação no bairro acalmou bastante. Foi isso que a Câmara de Setúbal disse à agência Lusa, considerando o que aconteceu na madrugada desta terça-feira “um acontecimento isolado e fortuito, num quadro de um ambiente positivo e de normalidade que se tem vivido nos últimos anos no bairro da Bela Vista, com um grande envolvimento do município e dos moradores”.

“Não parece feito por pessoas daqui”

É também esse o entendimento de uma das associações que trabalham com os moradores do bairro, a YAMC, que nasceu há 175 anos no Reino Unido e que tem como objetivo “aproximar pessoas”. É o que tem feito neste bairro – que na realidade são três: Bela Vista, Forte e Alameda das Palmeiras -, que começou a ser construído em meados de 1976 e onde vivem cerca de sete mil pessoas. Ou seja, neste conjunto de casas com pátios interiores, pintadas de amarelo-torrado e muitas a precisar de manutenção, vive perto de 7% da população de Setúbal, sendo o bairro com a média de idades mais jovem da cidade.

Jovens que João Moura, coordenador pedagógico do centro de atividades da Bela Visto da Academia YAMC, conhece bem. João trabalha aqui há 13 anos e garante que este é “um bairro perfeitamente normal. Tem algumas situações de vulnerabilidade, mas “não é só aqui”, garante. Para este técnico, o que aconteceu durante a madrugada não partiu de pessoas do bairro. “Não sei, mas parece um episódio organizado por pessoas que não são daqui. Alguém quis atiçar um sentimento de revolta.”

Prefere destacar o trabalho que tem sido feito ao longo dos últimos anos para a integração. “Hoje é evidente que a taxa de absentismo escolar é muito menor do que antigamente. Há um maior recurso aos cursos profissionais, que são a melhor resposta [para esta população]”, sublinha, destacando o trabalho “que a escola da Ordem de Santiago tem desenvolvido envolvendo a comunidade em atividades extracurriculares”.

Tal como a música, o rap ou a dança afro têm sido aproveitados como formas de integrar os mais jovens na comunidade e até entre etnias que historicamente não costumam ter relações, mas que aqui conseguem essa interação. “Os movimentos artísticos têm contribuído para integrar alguns jovens que até faziam parte de gangues e agora estão integrados”, garante.

Também motivo de satisfação é o facto de já haver jovens da Bela Vista que conseguem entrar no mercado de trabalho, incluindo “em grandes empresas como a Autoeuropa”, e este é um fator importante quando se fala de um bairro em que 7% da população não tem emprego.

Origem
DN
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