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Violência doméstica entre mulheres vale seis anos de prisão

Mulher de 41 anos não aceitou fim da relação e atacou ex-namorada: sequestrou-a, injetou-a com anfetaminas, violou-a com um pénis artificial e ainda roubou 280 euros.

O namoro durou cerca de um ano e quando uma das mulheres terminou a relação encontrou uma resistência da antiga companheira que se traduziu em três dias de agressão, inclusive sexual, que foi julgada em tribunal. A mulher de 41 anos foi condenada a seis anos de cadeia, decisão que foi agora confirmada na íntegra.

Os crimes ocorreram em junho de 2017 quando a arguida combinou através de SMS um encontro com a ex-namorada na residência desta. Esta acedeu e mal iniciaram a conversa a mulher disse que tinha de reatar a relação o que a vítima rejeitou. Após discussão, motivada pela descoberta de um gel lubrificante que entendeu denunciarem contactos sexuais com homens, a arguida puxou de uma réplica de uma arma de fogo e ordenou que se deitasse. Mostrou depois duas facas, apontando uma delas ao pescoço da ofendida dizendo-lhe: “estás calada e vais fazer aquilo que eu te mandar; não grites”.

A resistência da vítima foi tratada com bofetadas. Depois a mulher “obrigou a ofendida a ingerir cerca de 10 comprimidos de marca não apurada com a ingestão simultânea de gin” e “injetou-lhe no braço, com uma seringa, uma substância desconhecida, dizendo-lhe ‘para sentires menos dor na morte, para morreres mais rápido’. Nos factos dados como provados, consta ainda que disse que a vida não fazia sentido se se separassem, pretendendo acabar com a vida de ambas. E dirigiu a seguinte expressão ‘Se não és minha, não és de mais ninguém’.

O martírio da vítima prosseguiu, já com ambas as mulheres nuas.A agressora “começou então, contra a vontade da ofendida, a introduzir-lhe um pénis artificial (strap-on dildo) na vagina”Retirou o cartão multibanco e obrigou a ex-companheira a revelar o código PIN. Fez dois levantamentos no valor total de 280 euros. Só três dias depois é que amigos da vítima, estranhando a ausência e a falta de resposta a telefonemas, a encontraram na casa, apática e sem reação. Foi levada ao Hospital, onde exames indicaram a presença de anfetaminas no corpo.

No acórdão do Tribunal de Sintra são transcritas várias mensagens que a arguida enviou à ex-namorada em tom ameaçador e numa delas revelando que confrontou os pais da vítima com o facto de a filha ser lésbica, o que eles desconheciam.

Dois casamentos e três filhos

Esta mulher agora condenada tem 41 anos e cresceu numa família disfuncional. Os pais separaram-se quando tinha 11 anos e foi, contra a sua vontade, viver com o pai. Aos 16 anos fugiu de casa e foi viver com a mãe. Estudou até ao 12º ano, teve vários empregos até emigrar durante três anos. Teve cedo um namorado e uma gravidez levou a que passassem a viver juntos. O segundo filho nasceu pouco depois.

Separada do primeiro companheiro, iniciou nova relação com outro homem da qual nasce uma terceira criança. Nova separação, após a qual a mulher tentou o suicídio. “Decidiu assumir a sua orientação sexual cerca dos 30 anos de idade, época em que se afastou dos familiares e passou a viver com os filhos, autonomamente”, descreve o acórdão de Sintra. Quando se deram os crimes, a arguida estava empregada, vivia num apartamento com os três filhos de 20, 18 e 15 anos. Estes foram afetados pela prisão da mãe e tiveram de ir, os dois mais novos, com familiares paternos. Na prisão, a tendência para a depressão da arguida acentuou-se, chegando a estar internada.

No recurso, a sua defesa alegou o tribunal de primeira instância não valorou a confissão e arrependimento feita pela arguida em julgamento. Considerou que “a pena aplicada é manifestamente desproporcionada” e recordava que “esteve exposta a alguns episódios de agressão verbal e física pelos seus ex-maridos, que delimitaram negativamente a sua personalidade”. O crime de burla informática, que não constava da acusação, foi contestado tal como a valoração da exibição de armas e da violência sexual sob a forma de introdução vaginal de objetos.

A tudo isto, os juízes-desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa responderam que “em relação aos factos provados relativos ao uso de réplica de arma ou arma e facas por parte da arguida e violência sexual, o relato pela ofendida no sentido em que esses factos foram considerados como provados, aliado ao conjunto da prova produzida em audiência, apresenta-se perfeitamente lógico e conforme às regras da experiência comum.”

Ofensa à autodeterminação sexual

Sobre a confissão e arrependimento, os juízes lembram que a arguida insistiu “em negar a utilização da réplica de arma de fogo e a introdução do pénis artificial na vagina da assistente” e que ao minimizar, como fez, “as consequências dos atos que confessou, não pode ser considerado provado o arrependimento”.

O acórdão reflete ainda que a “violência doméstica não é uma questão de género, mas de poder, com uma das pessoas da relação a lançar mão de mecanismos que lhe permitam controlar o(a) parceiro(a). Por detrás da violência doméstica nem sempre está a força física ou a cultura machista, mas, sim, as relações de poder, em todas as relações humanas sendo possível encontrar hierarquias.”

E sobre a questão da violência sexual, o acórdão da Relação frisa que neste caso “destaca-se a ofensa à sua própria autodeterminação sexual, através da introdução pela arguida de um pénis artificial na sua vagina, o que integra a previsão do crime de violação.”

Revelar orientação sexual é muito grave

As mensagens a familiares também foram consideradas relevantes. “É sabido que nas relações entre pessoas do mesmo sexo, em particular quando a vítima não assumiu perante a comunidade ou a família a sua orientação sexual, o preconceito e discriminação ainda existentes conduzem a um maior sofrimento da vítima de violência doméstica, já que dificultam a procura de apoio externo e a colocam em situação de maior vulnerabilidade, face à ameaça de revelação da orientação sexual pelo parceiro, comummente designada por ameaça de outing, circunstâncias que potenciam a invisibilidade da violência doméstica nos casais do mesmo sexo, o que no caso concreto aponta para um grau de ilicitude muito elevado.”

Em conclusão, os desembargadores dizem que não há nada a apontar à decisão do tribunal de Sintra. “Numa situação, em que a agente inconformada com o termo da relação de namoro, agride fisicamente a vítima, a imobiliza com uso da força física e ameaça de armas, força a ingestão de comprimidos e gin, injecta-lhe uma substância que a deixa três dias sem consciência de onde estava e introduz, contra a vontade da vítima, um pénis artificial (strap-on dildo) na vagina da mesma, apresenta-se adequada a pena concreta de cinco anos e seis meses de prisão para o crime de violência doméstica

Manteve as condenações por roubo, do cartão multibanco, e de burla informática, por ter utilizado dados sem autorização, para efetuar os levantamentos. Com os três crimes, a pena ficou fixada em seis anos de prisão.

Origem
DN
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