Lisboa. Crescem as suspeitas sobre a nova torre de Picoas
Ex-vereador Nunes da Silva diz que proprietário do terreno foi vítima de uma fraude e responsabiliza Manuel Salgado, num caso de que Medina e Costa terão tido conhecimento. PGR mantém-se em silêncio
A mais recente torre erguida na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, não passa despercebida a ninguém que cruze a zona de Picoas pela sua imponência. Mas não é só por isso que o edifício de escritórios de 17 andares tem sido falado, e nos últimos dias a polémica tem-se adensado, sobretudo depois de no último sábado Fernando Nunes da Silva, antigo vereador da Mobilidade da Câmara Municipal de Lisboa, ter revelado ao semanário “Sol” que o engenheiro e promotor imobiliário Armando Martins – o antigo proprietário do terreno onde o novo edifício da cidade está a nascer – viu serem rejeitados sucessivos projetos para o lote. E atribuiu mesmo responsabilidade por tais ‘negas’ ao vereador do Urbanismo, Manuel Salgado. Quem prefere manter-se em silêncio é Armando Martins. A Procuradoria-Geral da República (PGR) também não respondeu ao i se existe algum inquérito em curso ou se o caso vai ser investigado depois dos novos dados tornados públicos.
De acordo com a versão, com o promotor de pés e mãos atadas, o terreno acabou nas mãos do BES – de que na altura era presidente o primo direito do vereador, ou seja, Ricardo Salgado. A partir daí tudo mudou, segundo Nunes da Silva: o mesmo vereador viria a aprovar um projeto com uma área maior do que aquela que Armando Martins, dono do Atrium Saldanha, queria. E mais: Fernando Nunes da Silva diz ter dado conhecimento de tudo a Fernando Medina, quando este se preparava para iniciar funções. Na altura, António Costa – que também terá recebido os mesmos documentos pelas mãos do deputado social-democrata da Assembleia Municipal, Vítor Gonçalves – estava de saída. “Medina agradeceu muito e não fez nada”, revelou Nunes da Silva ao “Sol”.
A polémica O i contactou ontem Armando Martins, que disse ter tido conhecimento da entrevista, mas escusou-se a fazer qualquer outro comentário.
E nem uma consulta no registo predial ajuda a esclarecer qual a situação atual do edifício, nem dos reais seus proprietários. O i sabe que o terreno foi detido pela Promoção Imobiliária e Hotelaria, S. A. entre 1990 e 2016, uma sociedade que pertenceria a Armando Martins.
Ao longo dos mais de 20 anos que deteve o terreno, Armando Martins terá apresentado diferentes projetos à Câmara Municipal de Lisboa. Os projetos, contudo, foram sempre rejeitados pela tutela de Manuel Salgado – há 12 anos no cargo -, com a justificação de que Armando Martins queria construir uma área superior àquela que o Plano Diretor Municipal (PDM) permitia. “Os vários Planos Diretores Municipais só admitiam à volta de 10, 12 ou 14 mil metros quadrados de construção e naquela altura, para viabilizar o que lá estava, era preciso um pouco mais – 16 ou 17 mil”, recordou na entrevista Fernando Nunes da Silva.
A hipoteca, o interesse da KPMG e a alegada fraude Entretanto, Armando Martins segundo a mesma versão terá sido aconselhado – “por um dos Espírito Santo” – a fazer uma hipoteca sobre o terreno de 15 milhões de euros. Com a chegada da crise, a consultora KPMG, que queria expandir a sede do Monumental, terá feito uma proposta para adquirir o terreno de Armando Martins. E mais uma vez, Salgado rejeitou o projeto idealizado pela consultora e a venda não se efetiva.
“Há uma carta que os homens da KPMG escrevem ao Armando Martins a dizer que não vão falar mais com a CML porque não são pessoas de confiança”, conta Nunes da Silva ao “Sol”. Armando Martins submete então aí um pedido de informação prévia à CML e Salgado informa-o relativamente às disposições dos Planos Diretores Municipais, que permitiam a edificação de 12 mil metros quadrados para serviços ou 14 mil metros quadrados para projetos com habitação.
Com o terreno hipotecado e sem possibilidades de pagar a hipoteca que fizera, o proprietário acaba por entregá-lo ao Banco Espirito Santo por apenas um euro.
“Quando ele [Manuel Salgado] assina aquela carta ao Armando, já tinha sido aprovado na CML o regulamento do novo Plano Diretor Municipal e a planta de ordenamento do novo Plano Diretor Municipal que estava na altura em discussão pública”, recorda Nunes da Silva, que garante ainda que “o novo regulamento já permitia fazer o que Armando queria”.
Para o antigo vereador da Mobilidade da CML, “o que o Salgado devia ter dito ao Armando era para ele esperar mais uns cinco meses até aquilo estar aprovado, porque o novo regulamento já permitia fazer o que ele tinha pedido”.
O caso chegou à Polícia Judiciária, tendo Fernando Nunes da Silva e Vítor Gonçalves sido ouvidos como testemunhas. Mas não deu em nada, segundo Nunes da Silva: meses depois “Vítor Gonçalves telefonou à inspetora e perguntou pelo processo e ela disse que o processo tinha sido avocado a nível superior e não sabia o que tinha acontecido”. Nunes da Silva vai mais longe e diz acreditar que o caso foi abafado.
O i contactou esta semana a Procuradoria-Geral da República para saber se atualmente está em curso alguma investigação, mas não obteve qualquer resposta até ao fecho da edição.
A CML e Manuel Salgado Fernando Nunes da Silva não é o único a apontar o dedo a Salgado. Manuel Maria Carrilho, ex-vereador e ex-ministro, também tem uma posição crítica sobre o vereador da Urbanismo – com quem se cruzou por alturas da sua candidatura à CML, em 2005. Ao i Manuel Maria Carrilho remeteu a sua posição para as páginas do seu livro “Sob o Signo da Verdade” (Publicações Dom Quixote, 2006), dizendo apenas que lamenta “terem sido precisos 13 anos para se perceber o óbvio e as suas sinistras consequências”.
No livro de Carrilho lê-se que Salgado queria ser o número dois da sua lista, mas a conduta que demonstrava não era bem vista aos olhos do ex-ministro da Cultura. E tudo porque quando confrontado sobre o conflito de interesses entre as funções de vereador e o facto de ter inúmeros projetos para a cidade no seu ateliê de arquitetura, o Risco, Salgado terá respondido que “se podia pensar num blind trustee para dirigir” o dito ateliê ou que poderia vendê-lo “a alguém de confiança, que lho vendesse de novo quando ele saísse da câmara”.