A bater novos recordes de passageiros, sem que a infra-estrutura sofra alterações profundas, o aeroporto de Lisboa vê também subir o número de queixas. No ano passado, de acordo com os dados agora disponibilizados pelo regulador, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), as reclamações de passageiros sobre o funcionamento do aeroporto Humberto Delgado subiram 14%, totalizando 611 queixas.
A infra-estrutura da capital é a terceira entidade ligada ao transporte aéreo com mais queixas, depois da TAP (que lidera o ranking de forma destacada, com 4104 reclamações só no segundo semestre do ano passado, o que representa uma subida de 70%) e da SATA Açores. A terceira posição, de acordo com os dados da ANAC, passou a ser ocupada pelo aeroporto Humberto Delgado no segundo semestre de 2016, em substituição da Ryanair.
Os outros aeroportos nacionais geridos pela ANA também viram subir o número de passageiros e o de queixas (Porto, por exemplo, cresceu 46% em 2017, para 290 reclamações), mas é Lisboa, pela sua importância, que concentra a maioria das reclamações (53% do total de 1146 queixas sobre infra-estruturas registadas pela ANAC).
Para este ano ainda não há dados, mas o certo é que o aeroporto está debaixo de forte pressão à medida que bate constantemente novos recordes de movimentos de aeronaves e de passageiros. De acordo com os dados fornecidos ao PÚBLICO pela NAV, a empresa pública responsável pela gestão do espaço aéreo no território português, no dia 22 de Junho bateu-se o recorde do número aterragens e descolagens na história do aeroporto de Lisboa, com 680 movimentos. E a própria NAV afirma que esse número poderá ser superado já neste mês de Julho ou em Agosto.
“A situação de esgotamento da infra-estrutura do aeroporto de Lisboa é mais do que evidente”, afirma ao PÚBLICO Paulo Geisler, presidente da RENA, associação que representa as companhias aéreas que operam em Portugal.
A mesma posição já tinha sido defendida pelo presidente da Confederação do Turismo Português (CTP), Francisco Calheiros, quando afirmou em entrevista ao PÚBLICO, no início de Maio, que “o aeroporto de Lisboa está no limite”. “Todos os dias perdemos a vinda de novas rotas aéreas e turistas”, acusou o responsável da CTP.
“Foram prometidos mais efectivos do SEF para o Verão e foi aberta uma nova área de check-in em self drop”, diz Paulo Geisler, pouco convencido de que seja suficiente. “Tem havido reuniões entre operadores, concessionária e Estado mas poucos progressos. Não são apresentadas soluções que resolvam o problema rapidamente”, acrescenta presidente da RENA.
Desafios à vista
Por parte da ANA, a empresa do grupo francês Vinci – que ganhou a privatização da concessão dos aeroportos no anterior governo -, esta refere que “há já vários anos” que a infra-estrutura “precisa de um desenvolvimento maior”, ao qual está ligado o projecto do aeroporto complementar do Montijo.
“Estamos orgulhosos do nosso contributo para o crescimento da economia nacional, embora este crescimento naturalmente acarrete uma intensificação de utilização das infra-estruturas” e dos constrangimentos, “ainda que tenham já sido feitas múltiplas melhorias operacionais e na infra-estrutura, muitas vezes invisíveis aos olhos dos passageiros”, refere fonte oficial da ANA.
“Antecipamos constrangimentos durante o Verão e nos próximos anos”, acrescenta a mesma fonte, afirmando que responde através de planos de contingência (ver texto ao lado) ao mesmo tempo que trabalha “para ser alcançada a solução de longo prazo”.
Para o presidente da RENA, Paulo Geisler, a decisão de se avançar para um aeroporto complementar, que se espera pronto em 2022, “terá que ser rápida e acompanhada de medidas transitórias imediatas que permitam continuar o crescimento da actividade das companhias aéreas com qualidade de serviço”. Entre as medidas transitórias, aponta, por exemplo, “o aumento de movimentos em faixas horárias mais restritas e a optimização destas”. Pelo meio espera-se também a implementação de um novo sistema de controlo aéreo, para fazer face ao incremento de tráfego, mas tal não deverá acontecer antes de 2020.
Por parte da TAP, a transportadora aérea que mais utiliza a Portela (no final do ano passado a quota de mercado da TAP em movimentos fixou-se nos 58%, contra 11% da Ryanair, a segunda maior), esta já anunciou através do seu presidente executivo, Antonoaldo Neves, a encomenda de um estudo a uma consultora internacional especializada em aeroportos para a “optimização” da Portela.
Entretanto, esta semana houve uma troca de argumentos entre a TAP e a ANA, com a primeira, conforme noticiou a Lusa, a afirmar estar a sofrer “sérios danos” na sua pontualidade devido aos “graves constrangimentos e limitações” do aeroporto de Lisboa e do controlo do tráfego aéreo, e a segunda a replicar que não aceitava que a TAP lhe imputasse “a responsabilidade dos atrasos e cancelamentos da sua operação”. “Pelo contrário, as infra-estruturas vêem-se penalizadas pela falta de pontualidade e regularidade de quem nelas opera”, afirmou a empresa do grupo francês.
Filas de espera
Às reclamações dos passageiros, do turismo e das companhias aéreas juntam-se também as de sindicatos ligados ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF)
Com dezenas de voos intercontinentais diários nas chegadas e partidas de Lisboa, aglomeram-se as filas de passageiros nacionais de países fora do espaço Schengen, que têm de passar os controlos de fronteira. A falta de recursos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é um dos problemas apontados, não só pelo próprio SEF ou sindicatos.
“É necessário investir no controlo de passaportes em Lisboa, reforçando-o e tornando-o mais eficiente”, defende Paulo Geisler.
Com o aumento generalizado de voos, as filas, conta Renato Mendonça, Presidente do Sindicato dos Inspectores de Investigação, Fiscalização e Fronteiras (SIIFF), são o resultado de um aeroporto que não está preparado para receber tanta gente. “Os tempos de espera não são nada que já não se esperasse. As infra-estruturas que foram feitas neste últimos tempos não se adequam ao movimento que nos últimos anos cresceu de forma desmensurada”, sublinha.
Acácio Pereira, Presidente do Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF), refere que as infra-estruturas que a Portela possuiu neste momento são “desadequadas à missão principal de um aeroporto, que é transportar pessoas sem atrasos e manter a segurança do país em que está instalada”.
“Com o aumento do fluxo de passageiros que desejam entrar no espaço Schengen e com o aparecimento de novas rotas, o tempo de espera tende também a aumentar, e ainda vai piorar com a chegada dos meses de Julho e Agosto”, afirma Renato Mendonça.
No entanto, para ambos os sindicatos dos trabalhadores do SEF, a falta de recurso humanos não é o principal problema e o aumento dos inspectores na fronteira não resolve tudo. “As falhas detectadas têm pouco a ver com questões de falta de pessoal, mas principalmente com a desadequação de alguns procedimentos — a concentração de voos a certas horas e a má gestão de fluxos de chegadas e saídas”, sublinha Acácio Pereira.