Sociedade

“O sexo está a perder conotação emocional, de amor, de afeto nos jovens”

Delas

  • “Há muito trabalho por fazer [em matéria de sexo e violência nas escolas]. Os jovens estão a absorver informação muito errónea” [Fotografias: Gerardo Santos/Global Imagens]

Vera Ribeiro é psicóloga clínica e sexóloga com trabalho desenvolvido na área da sexologia nas escolas. Ao Delas.pt, esta especialista – que é também mulher de Rui Patrício, guarda-redes do Sporting e da Seleção Nacional – revela que consequências tem a violência no namoro, realidade cada vez mais crescente em Portugal, no futuro de uma vida amorosa.

Os riscos, a vulnerabilidade e a banalização da vida sexual dos jovens estão aqui em análise, a par de uma recomendação para os pais de hoje.

Como tem sido o trabalho que tem desenvolvido em saúde escolar quando se olha em detalhe para o sexo e violência no namoro. O que lhe parece?

Há muito trabalho por fazer. Os jovens estão a absorver informação muito errónea. Por exemplo: o YouTube. Está acessível a todos, os filtros são poucos, tudo é descarregado para lá, muitas vezes as imagens são depois partilhadas. E não falo só de imagens no âmbito da violência no namoro, mas também de práticas violentas nas escolas, em que há possíveis agressores que veem e que acabam por replicar.

E no que diz respeito à violência no namoro. O que nota?

Noto que a parte mais inata do sentir não existe. Ou seja, os conceitos que vamos aprendendo, mesmo sem que nos os expliquem, – como o amor, a relação dos nossos pais, a relação entre irmãos -, todo este tipo de sentimentos muito básicos estão escassos. Falamos disso nas escolas, em palestras.

“A parte mais inata do sentir não existe”

E os jovens vão?

Poucos. Acabam por me abordar pelas redes sociais. Ir ter com a doutora, falar pessoalmente é mais complicado. É mais fácil enviar uma mensagem ou email do que aparecer (risos).

No âmbito da violência no namoro, o que é que rapazes e raparigas mais perguntam?

Tentam perceber se este comportamento é normal. ‘Se é uma forma de ele gostar?’, perguntam. São estes os significados de amar e ser amado, que estão muito pobres nos jovens. Só explicando as razões é que acabam por sentir por si.

Como é que o sexo é encarado pelos jovens, tendo em conta a violência no namoro?

Os jovens estão a encarar a sexualidade de uma forma muito crua. Não estão a ter em conta os valores numa relação. O sexo está a perder conotação emocional, de amor, de afeto. Eles fazem porque sim, porque todos fazem, porque as amigas já fizeram, porque é suposto fazer com aquela idade. Portanto, não é uma escolha com o parceiro com que está, deliberada, emocional, porque se gosta ou se quer estar com o outro de forma mais íntima. Este conceito está completamente perdido. Até mesmo o de amor, respeito e relação. Tem que haver este trabalho. Está a ser feito nas escolas, mas deve ser continuado, deve haver mais tempo dedicado a isto. É extremamente importante.

“[Os jovens] Fazem sexo] porque sim, porque todos fazem, porque as amigas já fizeram, porque é suposto fazer com aquela idade”

Que diferenças nota entre rapazes e raparigas?

As raparigas, infelizmente e do que tenho acompanhado, deixam-se levar muito por este meio social e cultural. A vulnerabilidade vê-se muito nas situações em que o jovem acaba por dizer que não coloca preservativo.

Como resolver?

Infelizmente, são noções que têm de ser criadas desde cedo nestes jovens, o saber dizer ‘não’ e que o outro tem que aceitar. E como é do conhecimento, os pais estão cada vez menos em casa. Estes valores-base estão a ser entregues às escolas para que o façam, e muitas vezes nem têm esse papel total. Têm o papel de educar e dar formação e não tanto educar e dar esta formação base. Nós, psicólogos que vamos às escolas, tentamos colmatar estas falhas, mas é pouco o tempo que temos para estar com jovens. Esse tempo de antena é muito escasso para absorver esta formação.
Que perigos antecipa para as raparigas em matéria sexual?

Quando falamos nos adultos, neste caso mulheres adultas, falamos de ter prazer, de realmente ter uma relação que se goste e na qual se sinta equilibrada intima e sexualmente. Se calhar, estamos a falar de uma mulher que não vai ter isso, que verifica uma relação como algo descartável, algo simples, que faz parte. Realmente, é uma coisa que faz parte, mas tem muita importância, que seja saudável e que seja algo que se sinta bem em realizar e faça parte da sua harmonia enquanto casal e família.

E para rapazes?

No caso dos rapazes, a exigência da sexualidade precoce e a obrigatoriedade de haver uma taxa de sucesso na sua performance é horrível. Para um rapaz, essa pressão é cada vez maior. Há, depois, o universo das redes sociais, das fotografias que tiram, da partilha da imagem de alguém nu ou das partes mais íntimas como forma de humilhação. Há uma de falta de respeito nos jovens, que é um dos pilares das relações futuras.

E o que podem os pais fazer?

Os pais estão cada vez menos em casa, não acompanham o desenvolvimento dos seus filhos. Mas o que fazer? Fazer com que os pais trabalhem menos? Mas isso representa uma remuneração inferior que não podem suportar. Mas, mesmo com o pouco tempo que os pais têm, ele deverá ser dedicado para que [os progenitores] possam sentir o adolescente: Como está? O que viveu naquele dia? O que tenciona fazer nos seguintes?. É importante falar com eles. Muitas vezes, temos a televisão ligada está cada um com o seu telemóvel, e a comunicação está a perder-se.

Portanto, diálogo desde sempre?

Sim, perguntar que matéria deu na aula, como está o colega tal. etc. O que interessa mesmo é manter esta comunicação próxima porque, quando houver necessidade de falar de alguma coisa mais específica, o adolescente não vai ter problema em fazê-lo porque já está habituado isso, a ter essa relação com os pais.

 

Imagem de destaque: Gerardo Santos/Global Imagens

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