Colégios GPS. MP suspeita que arguidos terão desviado dinheiro para o Brasil e Macau
Observador
Recibos de envio de fundos para o Brasil e uma procuração de uma empresa de Macau levaram o MP a pedir provas de que os arguidos do caso dos colégios GPS tinham contas bancárias internacionais.
A Polícia Judiciária (PJ) apreendeu — nas buscas domiciliárias realizadas em janeiro de 2014 — diversos documentos que indiciam que os principais arguidos do caso dos colégios GPS terão enviado para fora do país dinheiro desviado do grupo, proveniente dos contratos de associação celebrados com o Estado.
A procuradora-adjunta Andrea Marques, titular dos autos consultados pelo Observador, enviou em maio do ano passado duas cartas rogatórias às autoridades do Brasil e de Macau a solicitar documentação relativa a empresas, património imobiliário e contas bancárias que todos os arguidos e respetivas mulheres pudessem eventualmente ter nesses dois países.
O envio das cartas rogatórias foi proposto pela PJ na sequência das buscas domiciliárias, onde foram encontrados documentos que permitiram concluir que os arguidos desenvolviam atividade nesses dois países.
No centro da acusação produzida pelo Ministério Público (MP) contra José Manuel Canavarro (ex-secretário de Estado Adjunto e da Administração Educativa do Governo de Santana Lopes) José Maria de Almeida (ex-diretor regional de educação de Lisboa) e ainda António Calvete, Manuel Madama, Fernando Catarino, António Madama e Agostinho Ribeiro (administradores do grupo GPS) está a suspeita de que os cinco gestores daquele grupo de colégios privados terão desviado em benefício próprio cerca de 36 milhões dos mais de 300 milhões de eurospagos ao grupo pelo Estado. Por isso mesmo, o MP e a PJ quiseram saber se existiam bens ou fundos no estrangeiro em nome dos arguidos, nomeadamente no Brasil, Macau, desde 2009, e também património em Cabo Verde.
Envio de dinheiro para o Brasil e a procuração a favor de Lun Kung Po Mei
A origem da proposta da PJ prende-se com vários recibos de envio de fundos para o Brasil que foram encontrados nas casas dos administradores do grupo GPS, António Calvete e Manuel Madama, durante as buscas domiciliárias. Dois dos recibos encontrados na casa do primeiro arguido datam de 2013 e têm como destino a sociedade “Volta Grande Participações e Empreendimentos, LTDA” — uma empresa de construção e venda de imóveis.
As buscas domiciliárias realizadas pela PJ à casa do ex-diretor regional de educação de Lisboa José de Almeida permitiram ainda descobrir que o arguido assinou, em novembro de 2013, uma procuração a favor de Lun Kung Po Mei, uma cidadã portuguesa com residência permanente em Macau. A procuração que foi apreendida conferia poderes a Lun Kung Po Mei para constituir uma sociedade comercial, a “Conexões – Consultoria, LDA”, em representação de José de Almeida. Da empresa, com um capital de 25 mil patacas(cerca de 2,5 mil euros), Lun Kung Po Mei tem uma quota de 5 mil patacas (cerca de 500 euros). A procuração confere ainda poderes para celebrar contratos, outorgar escrituras públicas ou assinar requerimentos, autos, termos e outros documentos necessários à prática e eficácia dos autos ou contratos.
Em janeiro deste ano, o Ministério Público brasileiro acusou a receção da carta rogatória e enviou a documentação que tinha sido solicitada. Um mês depois, verificou-se o mesmo com as autoridades chinesas que detêm a soberania do território da Região Administrativa de Macau. Contudo, o Observador não teve autorização para a consulta dos apensos dos autos onde constam os documentos que foram enviados para Portugal por os mesmos estarem a coberto do sigilo bancário e fiscal.
O objetivo da cooperação internacional solicitada pelo MP é claro: detetar e apreender fundos, imóveis e outros bens que advenham da prática de alegados ilícitos criminais na gestão do Grupo GPS. Essa tarefa encontra-se a cargo do Gabinete de Recuperação de Ativos da PJ — órgão especialmente criado para apreender fundos e bens que sejam detetados no âmbito de investigações criminais onde o Estado terá sido lesado financeiramente.
Recorde-se que, com o despacho de acusação, o MP promoveu a perda ampliada de bens e fundos que já tinham sido apreendidos aos principais arguidos no valor de cerca de 54 mil euros em dinheiro vivo e um conjunto diversificado de viaturas automóveis. Ou seja, os bens e os fundos podem vir a ser declarados perdidos a favor do Estado no caso de a sentença ser nesse sentido.
O Observador tentou contactar os arguidos cujas casas foram alvo de buscas. Dois deles, António Calvete e Manuel Madama, recusaram comentar os factos.
36 milhões do Estado usados em cruzeiros, carros, vinhos ou bilhetes para o mundial
O Ministério Público acusou no passado dia 23 de março os gestores António Calvete, Manuel Madama, Fernando Catarino, António Madama e Agostinho Ribeiro da alegada prática de crimes de corrupção ativa, peculato, falsificação de documento, burla qualificada e abuso de confiança. Os três primeiros administradores ainda estão em funções. Por seu lado, o ex-secretário de Estado José Manuel Canavarro e o ex-diretor regional de educação de Lisboa José Maria de Almeida foram acusados de alegada corrupção passiva.
Os cinco administradores do Grupo GPS terão usado mais de 36 milhões dos mais de 300 milhões de euros pagos ao grupo no âmbito dos contratos de associação com o Estado, principalmente através de seis empresas-fantasma controladas por eles “com o propósito alcançado de, em nome das mesmas, serem emitidas faturas dirigidas a colégios e empresas de gestão do grupo, referentes a serviços que não foram efetivamente prestados”, pode ler-se na acusação do Ministério Público a que o Observador teve acesso.
Essas sociedades não têm atividade, estrutura física, instalações, funcionários ou logística, para além dos sócios/acionistas, administradores/gerentes”, lê-se na acusação.
Mais de 36 milhões terão tido alegadamente um uso indevido por parte dos arguidos e serviram para pagar viagens, cruzeiros, carros, jantares, vinhos e seguros pessoais e até bilhetes para o mundial de futebol de 2006. Razão pela qual o MP promoveu com o despacho de acusação a perda a favor do Estado dos cerca de 36 milhões de euros que os cinco gestores do Grupo GPS ter-se-ão apropriado.
De acordo com a acusação, “em troca dessas decisões favoráveis [os cinco arguidos] ofereceram [aos dois decisores públicos] cargos remunerados nos quadros das sociedades do seu grupo e outras vantagens patrimoniais”.
Canavarro nega tudo e GPS diz que a acusação está ferida de morte
José Manuel Canavarro, que depois de sair do Governo em 2005 foi convidado para ser consultor no grupo GPS, rejeita, em declarações ao Observador, as acusações feitas pelo MP: “Fui um colaborador a recibos verdes, pagando impostos. Não tive lugar de quadro. Exerci funções de assessoria como colaborador externo”, explico.
Canavarro acrescentou ainda que “declarou no registo de interesses e no Tribunal Constitucional” a colaboração que teve com o Grupo GPS, além de que “nunca” teve “qualquer interferência em entidades públicas” enquanto foi consultor e assegurou: “Nunca me foi pedido [qualquer interferência]”.
O grupo GPS, por seu lado, ainda não tem uma posição sobre a acusação — algo que considera “absolutamente extemporâneo”, de acordo com declarações do gabinete de comunicação ao Observador. A extensão do processo e “ausência de meios” disponibilizados pelos Ministério Público estão na base da ausência de posição.
Este processo tem pelo menos 1.930 dias (cinco anos, três meses e 15 dias), e recebemos a acusação há apenas alguns dias. Estamos a analisar de forma aprofundada a peça, desde logo muito extensa (270 páginas), num processo principal que tem 19 volumes, com pelo menos 4.593 páginas, a que se somam 26 apensos, desdobrados em cerca de 2.000 pastas de arquivo, com várias centenas de milhar de folhas”, explicou a mesma fonte.
O grupo GPS acusa o Ministério Público de “desigualdade de armas entre a acusação e a defesa” por não disponibilizar cópias de documentos. Para o grupo, “a defesa está diminuída, senão mesmo impedida”. Isto porque o grupo GPS alega que não dispõem de uma “cópia (digitalizada ou em papel) dos documentos constantes do processo”, que “foram apreendidos”. “O Ministério Público alega ausência de meios para facultar cópia dos elementos constantes do processo”, explicou fonte do grupo.
Segundo a mesma fonte, o grupo GPS conta ter “uma posição mais substantiva nos próximos dias“. “De qualquer forma, importa desde já vincar um conjunto de incongruências que poderão ferir de morte esta acusação“, disse ainda a mesma fonte.