Na véspera da audição de Proença de Carvalho, ex-procurador contou detalhes dos encontros com o advogado
Nuno Amado disse perante o coletivo que o nome de Orlando Figueira lhe foi apresentado numa altura em que o banco se estava a restruturar e a reduzir o número de trabalhadores, havendo no entanto uma necessidade específica no departamento de compliance.
“Foi o dr. Iglésias Soares que falou comigo sobre o nome de Orlando Figueira, o banco estava a iniciar um processo de reestruturação e recordo-me de ter percebido bem a lógica da contratação […] Disseram-me que era um magistrado com um profundo conhecimento das áreas onde precisávamos de algum conforto”, recordou ontem o presidente da Comissão Executiva do banco e vice-presidente do Conselho de Administração, salientando que desde o início teve alguns cuidados: “Disse que não tinha nada a opor, mas perguntei ao dr. Iglésias Soares se os órgãos do MP tinham dado autorização, se não havia restrições. E foi-me dito que não havia restrições à sua contratação para o privado”.
Questionado diretamente sobre se alguma vez recebeu indicações de Manuel Vicente ou de Carlos Silva, o outro vice-presidente do Conselho de Administração do Millennium BCP, Nuno Amado, foi categórico: “Não me recordo de alguma vez me terem pedido qualquer favor com um mínimo de relevância, e este teria relevância”.
A questão a que não conseguiu responder foi sobre o método de seleção de Orlando Figueira. Ainda assim explicou à procuradora Leonor Machado que neste tipo de funções o mais normal é que não haja um concurso, mas sim a escolha de alguém com currículo. Escolha essa que garante não saber como foi feita: “Pela minha mão não foi”.
Durante a sessão de ontem foi ainda ouvido o advogado Pedro Madeira de Brito, da sociedade BAS, para a qual Orlando Figueira chegou a trabalhar desde que saiu do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Madeira de Brito elogiou Figueira, considerando-o um jurista de “primeira água”.
Figueira fala de encontros com Proença de Carvalho Hoje é o dia de ouvir Daniel Proença de Carvalho e ontem o antigo procurador prestou declarações em tribunal sobre os encontros que manteve com este advogado, que representa o banqueiro Carlos Silva.
Para a defesa, estes encontros são mais uma prova de que a saída do DCIAP aconteceu após uma proposta de Carlos Silva para que Orlando Figueira fosse trabalhar para o grupo Atlântico, o que contraria a tese da acusação – de que teria sido o ex-vice-presidente de Angola Manuel Vicente a dar contrapartidas e trabalho a Figueira em troca do arquivamento de inquéritos que o visavam.
Segundo Figueira, foi Iglésias Soares quem lhe transmitiu o recado de Carlos Silva para ligar a Proença de Carvalho depois de meses à espera que começasse efetivamente a trabalhar com contrato, tal como combinado. “Liguei para o escritório do dr. Proença de Carvalho e disse que precisava de marcar reunião com ele e penso que essa primeira reunião terá sido em abril, maio de 2015. Antes disso não o conhecia de lado nenhum”, disse, referindo que nessa altura tinha interesse em que Carlos Silva lhe pagasse os impostos dos montantes que recebera pelo contrato com a Primagest, como fora acordado.
O advogado terá dito que não queria ouvir as queixas do passado, uma vez que estava ali para resolver problemas do presente e do futuro. “Vou diligenciar junto do Carlos, vamos fazer uma cessação amigável, mas você não fala no meu nome, nem no do Carlos, nem na conta de Andorra”, terá dito nessa altura Daniel Proença de Carvalho ao ex-procurador. Perante o coletivo, Figueira disse que aceitar aquele “acordo de cavalheiros” era o que lhe restava, até porque à data sabia que já estava a ser investigado no caso Fizz e pretendia liquidar os impostos.
“Tinha de aceitar mesmo, era a forma de eles pagarem os impostos como era a obrigação deles e eu não iria pôr em causa a idoneidade do dr. Carlos Silva enquanto banqueiro”, acrescentou.
Seguindo as suas notas no telemóvel e os registos das chamadas que fez e recebeu do escritório, Orlando Figueira esclareceu o tribunal por mais de uma vez que Proença de Carvalho evitava falar por telefone, sendo apenas marcadas reuniões presenciais onde os assuntos eram discutidos.
“Na reunião de 29 de julho de 2015 fez-se um acerto de contas e ele faz entrar o dr. Manuel António Costa, administrador único da Primagest, e disse-me: ‘Está a ver, afinal o dr. Manuel António Costa existe mesmo’”, contou o arguido, adiantando que nessa data recebeu 7 mil euros em dinheiro de Manuel António Costa, relativo a férias não gozadas. Mais tarde, a 2 de dezembro teve uma outra reunião onde se acordou o pagamento de uma compensação pelos anos de antiguidade que perdera e por o contrato do privado nunca ter sido formalizado nas condições acordadas.
Mas recebeu o valor destinado ao pagamento de impostos em falta e regularizou a sua situação perante o fisco em 2015. Relativamente aos rendimentos de 2012 (cerca de 210 mil euros) entregou às finanças 89 mil euros, quanto aos rendimentos de 2014 (os cerca de 300 mil euros que recebeu numa conta em Andorra) obrigaram ao pagamento de 114 mil euros em impostos.
Diz que depois de ter sido detido Proença de Carvalho lhe arranjou um advogado, que seria pago por Carlos Silva: Paulo Sá e Cunha. Durante meses admite que aceitou manter o silêncio até porque lhe fora prometido um trabalho no futuro, algo que dada a sua situação classificou como uma “uma tábua de salvação para um náufrago”.
Depois de meses decidiu contar a verdade e romper com a defesa de Paulo Sá e Cunha. Perante o coletivo presidido pelo juiz Alfredo Costa considerou o dia 5 de dezembro de 2017 como o dia da sua libertação.