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O pior pesadelo de Israel

Expresso

Depois dos “rockets” disparados contra território de Israel e dos ataques surpresa através de túneis, os palestinianos da Faixa de Gaza parecem apostados num novo método de confronto. Começou na passada sexta-feira e está planeado para durar mais seis semanas — até ao 70º aniversário de Israel

É o pior dos pesadelos de Israel — hordas de palestinianos a caminho da fronteira, com a intenção de a derrubar, motivados pela ideia de recuperarem terras que outrora foram suas e que foram ocupadas por Israel quando da criação do estado judeu. Este pesadelo ganhou vida e está a acontecer na Faixa de Gaza. “Vai acontecer todos os dias. Às sextas-feiras, será o dia principal”, diz ao Expresso, desde Gaza, o fotógrafo Ahmed Salama, de 23 anos. “Os palestinianos vão usar um método novo. Vão tentar e tentar e tentar… Talvez na próxima sexta-feira consigam entrar. Não temos nada a perder. O bloqueio está a matar-nos lentamente.”

Depois de anos em que Gaza reagiu ao bloqueio por terra, mar e ar, imposto por Israel e pelo Egito, lançando “rockets” contra território israelita ou tentando surpreender o inimigo através de túneis escavados sob a fronteira, uma nova estratégia está a mobilizar os palestinianos daquele território: marchas volumosas e persistentes na direção da fronteira, “indiferentes” aos que tombam mortos pelo caminho.

“Há tendas em cinco posições principais ao longo da fronteira” de 65 quilómetros, diz Ahmed. Chamam-lhes “cidades de tendas” e começaram a erguer-se no início de março para acomodar os manifestantes, incluindo famílias inteiras, “no ponto seguro mais próximo da fronteira”, explicava então Ahmed Abu Ayesh, porta-voz do comité coordenador, garantindo que as Nações Unidas seriam notificadas dos protestos.

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Uma palestiniana senta-se junto a uma tenda montada para albergar manifestantes da “Marcha do Regresso”, no sul da Faixa de Gaza

FOTO IBRAHEEM ABU MUSTAFA / REUTERS

Na sexta-feira passada, dia da primeira grande investida, milhares de palestinianos seguiram desarmados. Muitos outros não, arremessando pedras, bombas incendiárias, pneus a arder e tentando destruir a fronteira e entrar em território de Israel.

Da resposta das forças de segurança israelitas resultaram 17 palestinianos mortos (Israel diz que tem registos de “atividades terroristas” de “pelo menos 10”) e 1479 feridos — 757 alvejados com fogo real, informou, no domingo, o Ministério palestiniano da Saúde. Os restantes foram atingidos por balas de borracha e inalaram gás lacrimogéneo, disparado a partir de pequenos drones, a mais recente inovação tecnológica ao serviço das tropas de Israel.

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Soldados israelitas, em posição de disparo, num morro junto a um troço da fronteira com o norte da Faixa de Gaza

FOTO AMIR COHEN / REUTERS

Mahmud Abbas, o presidente da Autoridade Palestiniana — que, no ano passado, para pressionar o rival Hamas, que controla Gaza, ordenou cortes de energia no território, obrigando a população a viver com quatro horas de luz —, apelou à intervenção urgente das Nações Unidas. Logo na sexta-feira, o secretário-geral da organização, António Guterres, pediu “uma investigação independente e transparente a estes incidentes”. O assunto foi a debate, com urgência, no Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas e sucumbiu às sensibilidades da geopolítica.

O Kuwait, o único país árabe atualmente representado no CS, apresentou uma proposta de declaração apelando a uma investigação à violência, no mesmo sentido das palavras de Guterres. Citado pela agência AFP, “um diplomata do CS” disse que os Estados Unidos — que têm o poder de veto naquele organismo — levantaram objeções e fizeram saber que não apoiariam a adoção do documento.

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Uma imagem clássica da resistência palestiniana à ocupação: o arremesso de pedras contra posições militares israelitas, desta vez na Faixa de Gaza

FOTO MOHAMMED SABER / EPA

Em Israel, o ministro da defesa, Avigdor Lieberman, lançava combustível para a fogueira, rejeitando qualquer comissão de inquérito aos factos ocorridos junto à fronteira com Gaza e afirmando que os soldados israelitas ali em missão “merecem uma medalha”.

FESTA DE UNS, LAMENTO DE OUTROS

A “Marcha do Regresso” tem inerente todo um simbolismo ao qual nenhum palestiniano ou israelita é indiferente. Começou na sexta-feira, 30 de março, no tradicional “Dia da Terra” que assinala a morte, em 1976, no norte de Israel, de seis israelitas árabes, às mãos da polícia, durante protestos contra a expropriação de terras árabes por parte do Governo de Telavive.

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Alvejado na cabeça, Tahreer Abu Sabala, um palestiniano surdo de 17 anos, foi um dos feridos, na foto a ser transportado por um grupo de manifestantes que expressam um misto de desespero e fúria

FOTO IBRAHEEM ABU MUSTAFA / REUTERS

Está planeada para terminar a 15 de maio, dia em que os palestinianos assinalam a “catástrofe” (“Nakba”), o início do atual problema dos refugiados quando mais de 700 mil palestinianos fugiram ou foram expulsos das suas terras na sequência da criação, nas Nações Unidas, do Estado de Israel (1948), e da guerra da Independência que se lhe seguiu.

Na véspera do aniversário da “Nakba”, Israel comemorará o seu 70º aniversário — este ano, antevê-se, de forma mais esfusiante do que o habitual, em virtude do “presente” dado pelo aliado norte-americano: a transferência da sua embaixada de Telavive para Jerusalém, prevista para coincidir com o aniversário.

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Um pneu a arder lançado contra posições israelitas, na cidade de Hebron, na Cisjordânia, onde uma greve geral já foi convocada, em solidariedade para com os protestos no outro território palestiniano

FOTO ABED AL HASHLANOUN / EPA

Na sexta-feira, quando participava nos protestos, o líder do Hamas enunciou o objetivo: “O nosso povo não pode abdicar de um centímetro de terra da Palestina. Os protestos continuarão até que os palestinianos regressem às terras de onde foram expulsos há 70 anos”, declarou Yahya Sinwar.

O movimento islamita — que convocou estes protestos — controla a Faixa de Gaza desde há quase 12 anos. Desde então, Hamas e Israel já travaram três guerras, em 2008/09, 2012 e 2014. A próxima poderá estar já em curso — seis semanas de confrontos na fronteira, em que os palestinianos adivinham-se persistentes e os israelitas intransigentes. E se há garantia neste conflito é que em cada funeral de um palestiniano abatido por Israel — e vice-versa — a dor é acompanhada pelo desejo de vingança.

Origem
Expresso
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