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Bispo de Setúbal apela à mudança de paradigma e destaca o papel da mulher na Igreja

Os agentes económicos diziam que "seis pessoas não é nada", mas nem essa lotação se atingiu no Santuário de Fátima. Este 13 de outubro fica marcado pela redução de fiéis, por causa da pandemia, mas sobretudo pela ausência de estrangeiros. E pela homilia de D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, que destacou sobretudo o papel da mulher, que é preciso "valorizar" na Igreja.

Em cada dia 13, um grupo de Cantanhede entra num autocarro a caminho de Fátima. Faziam-no de forma desorganizada, cada um por si, mas desde há um ano decidiram fazê-lo juntos, sob o nome de “Amigos de Maria”. A mais velha, Maria do Resgate, 79 anos, transporta um pequeno banco dobrável, e segue apressada para o recinto, pois que “não tarda começa a missa”. São 30 amigos e vizinhos que este ano apenas falharam o 13 de maio, quando as celebrações foram vedadas ao público.

Como este, há outros pequenos grupos. Mas faltam as bandeiras no Santuário, faltam as conversas nas mais diversas línguas, falta o mundo. Ficou só o altar. “Mas Fátima continua a ser o altar do mundo, não há santuário mariano como este, acredite”, diz ao DN a irmã Maria José, das Franciscanas de Nossa Senhora das Vitórias, que mora há três anos em Fátima mas já correu o mundo. Agora, aos 74 anos, é ali que reza e ajuda os outros. É o que faz nesta manhã, juntamente com Agostinho Ferreira, 65 anos, um leigo voluntário que conhece há muito, de outro lugar do Santuário: ambos integravam o coro, até junho passado, quando um surto de covid-19 fez diminuir o grupo. Agostinho livrou-se da doença, mas a freira não. “Não tive sintomas muito fortes, mas era uma impressão na garganta que quase me impedia de respirar. Mas ao fim de duas semanas estava bem, ao terceiro teste já estava negativa”, conta. Por detrás da máscara, os olhos escuros sorriem, próprio de quem não tem qualquer medo. “Não é que esteja imune, não viu ainda agora nas notícias que nunca se está?”, pergunta, enquanto vai borrifando com desinfetante as mãos dos peregrinos que entram pela colunata-sul.

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© Gerardo Santos / Global Imagens

A manhã deste 13 de outubro faz-se de tranquilidade, colando bem com a tal paz de que todos vêm à procura. À hora em que começa a missa, entraram apenas cerca de 3200 peregrinos, praticamente metade da lotação do Santuário para esta última grande peregrinação do ano. Nas ruas a presença da GNR é muito notória, a pé, a cavalo, ou de carro. Mas afinal os peregrinos acabaram por acatar os conselhos da Igreja e não acorreram em massa ao Santuário. Não foi o caso das irmãs Justina e Paula, que vieram do sul, com a família, para cumprir uma tradição que encaram como caminhada. Há 28 anos, num acidente de automóvel, o marido de Paula morreu, e o filho ficou com sequelas tão graves que o deixaram para sempre numa cadeira de rodas. É o irmão mais novo quem o guia por entre os círculos desenhados no chão. “Não, esse acontecimento não abalou a minha fé. Aliás, foi precisamente aí que começámos esta caminhada”, conta Paula, 55 anos. O resto da família (os filhos da irmã Justina) ficou no hotel a trabalhar. Chegaram há dois dias, regressam hoje a Vila Nova de Santo André, Paula e os filhos a Lisboa.

Até à procissão do Adeus vai entrando muita gente, sobretudo pelo topo norte. Está um sol de inverno, neste outono de Fátima.

“Este ano celebramos o dia 13 de outubro de forma muito contida, no que respeita ao número de peregrinos, à sua proveniência e à forma festiva das manifestações que habitualmente caracterizam esta última grande peregrinação do ano”, começou por dizer D. José Ornelas, bispo de Setúbal e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, na homilia desta manhã. É ele o “plano B”, como se autodenominou num encontro com os jornalistas, ontem à tarde, pois que substitui um arcebispo do Panamá, impedido de vir este ano.

Perante uma esplanada pejada de clareiras, o bispo lembrou que “os santuários e igrejas são lugares de relação e de comunhão – entre as pessoas que para eles convergem e neles se reúnem, comunhão e relação com Deus, que quer habitar no meio do povo. No meio das nossas cidades e povoações ou ao longo das estradas que percorremos, estes espaços mostram que Deus não está longe de nós, não se alheia dos nossos percursos, dores, lutas e esperanças”. Foi sempre de esperança que falou, ao longo destes dois dias.

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© Gerardo Santos / Global Imagens

O papel da mulher, segundo o bispo de Setúbal

A revelação da homilia estaria para vir, quando o bispo José Ornelas orientou o seu discurso para um campo onde a Igreja pouco se aventura: o papel da mulher. “A presença feminina e materna de Maria, a que se junta, desde a missão de Jesus e no meio da Igreja um grupo de outras mulheres, lança uma luz de entendimento sobre a identidade e a missão da Igreja, não como um facto secundário ou subsidiário perante o protagonismo masculino, mas como um importante elemento constitutivo da Igreja”, disse, num momento emblemático destas celebrações.

“Acentuar o feminino e o materno não é apenas buscar um equilíbrio de poderes ou de influências na organização funcional da Igreja”, afirmou o bispo, sublinhando então que é preciso “mudar de paradigma: a liderança eclesial não está fundada sobre a ideia de poder, mas na vida, no cuidado e no serviço”. “Valorizar o papel da mulher contribui decidamente para a valorização dos ministérios na igreja, hoje demasiadamente concentrados nos ministérios ordenados”, disse o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, para concluir que “o mundo não é de quem mais manda, é de quem mais constrói a vida”. Para mais, esse é um caminho que afinal se delineou há muito tempo: “Maria está conaturalmente ligada, não apenas a esta igreja de pedra, mas à Igreja de pedras vivas que somos nós, sugerindo o seu modo de ser e impulsionando a sua missão entre os povos. Ela acompanha, assim, não apenas a vida de Jesus, mas também a Igreja nos seus inícios e ao longo dos séculos. Não está lá para decoração”.

Neste 13 de outubro, celebra-se também a memória da basílica dedicada à Senhora do Rosário.

À medida que se aproxima o momento da procissão há mais peregrinos a entrar no Santuário. Na última contagem eram cerca de 4000, É o adeus à imagem de Nossa Senhora, que há 103 anos, neste dia, terá aparecido pela última vez aos pastorinhos Francisco, Jacinta e Lúcia. Só a última ficou para contar por muitos anos os segredos de Fátima, já que os irmãos Francisco e Jacinta Marto sucumbiram, ainda crianças, a uma outra pandemia [da gripe] que então assolava o mundo. Mais tarde, em 1929, o poeta Afonso Lopes Vieira (que era ateu, e se converteu depois de alegadamente ter presenciado o milagre do sol, a partir da praia de São Pedro de Moel, como o DN contou este sábado), escreveu os versos conhecidos como “Avé de Fátima”, que nesta terça-feira voltaram a cantar-se no Santuário: “a 13 de outubro foi o seu Adeus/ e a virgem Maria voltou para os céus”.

Origem
DN.pt
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