Infarmed tem aprovados mais de cem testes de diagnóstico e serológicos para a covid-19
Testes estão registados no Infarmed. Mas fazer um teste serológico a título individual, "nesta fase, só serve para satisfazer a curiosidade", dizem especialistas.
Passados nove meses do surgimento na China do coronavírus SARS-CoV-2, e com o hemisfério norte a entrar numa nova fase de potencial grande número de contágios, com a aproximação do inverno – a famosa segunda vaga que muitos dizem já estar a iniciar-se -, há ainda muitas incertezas sobre o vírus e a covid-19.
A duração da imunidade ao coronavírus por quem já foi infetado e a possibilidade de reinfeção (já confirmada mas não necessariamente frequente), ou ainda a percentagem exata de população que já teve covid-19 – um dado importante para se poder avaliar a imunidade de grupo numa dada população -, são algumas delas.
Nesta equação de muitas parcelas, os testes são um instrumento decisivo para conhecer a realidade – e lidar com ela.
Os testes de diagnóstico permitem identificar os doentes e isolá-los temporariamente, a fim de travar os contágios. Já os serológicos, que detetam os anticorpos ao vírus presentes no sangue, indicam quem já esteve em contacto com o SARS-CoV-2 e são por isso um importante instrumento para os estudos sobre a imunidade populacional ou a avaliação de risco de diferentes grupos no conjunto da população.
O inquérito serológico que acaba de ser lançado pelo Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM), que está a recrutar 12 mil voluntários a nível nacional, para fazer uma avaliação sobre a percentagem dos portugueses que já tiveram covid-19, e cujos primeiros resultados deverão ser divulgados no final de outubro, é um exemplo dos estudos que podem ser feitos a partir de testes serológicos.
Nesta segunda-feira, foi também apresentado o plano de outono-inverno do Ministério da Saúde, o qual admite a realização de testes rápidos de diagnóstico que podem diminuir o tempo de espera dos resultados para 60 minutos. O secretário de Estado adjunto da Saúde, António Lacerda Sales, destacou que apesar de as autoridades de saúde irem usar testes rápidos, estes “não devem constituir um critério único na avaliação”, por causa da “alta probabilidade de testes negativos”, admitindo, no entanto, que podem ser “uma mais-valia” num “contexto de escassez de recursos, de evolução epidemiológica e de situações especificas”, tais como surtos em lares ou em escolas.
O que os testes contam
Nesta altura, há mais de cem testes registados no Infarmed, entre os de diagnóstico e os serológicos, que podem, portanto, ser utilizados em Portugal, sendo obrigatória a sua aplicação por profissionais de saúde.
No caso dos testes serológicos, já existem também testes rápidos que detetam em poucos minutos os anticorpos para o novo coronavírus e que até já estão disponíveis nas farmácias, como adiantou ao DN o secretário-geral da Associação Nacional de Farmácias (ANF), Nuno Flora.
“Os testes serológicos são aprovados pelo Infarmed”, diz Nuno Flora, sublinhando que “os farmacêuticos estão habilitados a fazer uma grande diversidade de testes profissionais, incluindo estes, assim como a proceder à sua dispensa para utilização por outros profissionais de saúde, em instituições de saúde ou do setor social.”
Os testes serológicos, quer sejam rápidos e de resposta simples do tipo sim ou não, ou mais detalhados, quantificando os anticorpos presentes, detetam diferentes tipos de anticorpos para o SARS-CoV-2: o IGM e o IGG, que surgem em fases distintas da infeção por covid-19.
O primeiro é produzido pelo sistema imunitário logo na fase inicial da infeção, e o segundo (IGG) permanece no organismo por mais tempo, após a recuperação, e confere uma imunidade mais duradoura, embora não se saiba ainda nesta altura qual é exatamente essa duração.
Para os outros quatro coronavírus que causam constipações e gripes benignas nos seres humanos, a imunidade estende-se entre um ano e meio e três anos, mas para o SARS-Cov-2 as estimativas apontam que ela poderá ser menor. Mas na verdade não se sabe.
Um estudo feito em Portugal precisamente sobre isso pelo investigador Marc Veldhoen, que lidera no IMM o laboratório de Regulação do Sistema Imunitário, mostrou que os anticorpos contra o novo coronavírus permanecem no organismo pelo menos até cinco meses após a infeção. Um resultado que o próprio investigador encara com otimismo, como explicou, porque indica que os anticorpos para o SARS-CoV-2 “podem circular, e é provável que circulem para a maioria das pessoas, durante esse tempo”.
Além disso, o sistema imunitário guarda uma memória e pode produzir novos anticorpos caso entre de novo em contacto com o vírus, mas para se saber exatamente como as coisas se passam em relação a este coronavírus vai ser preciso esperar. Ainda não passou sequer um ano.
Nesta fase, é sobretudo importante conhecer os contornos da pandemia e a sua evolução na população portuguesa, e daí os estudos serológicos como o do IMM, ou outros parcelares, como algumas autarquias já fizeram para as respectivas regiões, ou algumas universidades conduziram para as suas comunidades académicas.
Mas, se uma pessoa a título individual quiser fazer um teste serológico, que utilidade pode colher do resultado do teste?
“Muito pouca, para além de satisfazer a curiosidade sobre se já se esteve infetado ou não”, responde Carlos Penha Gonçalves, que lidera no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) o grupo de investigação sobre genética das doenças, sublinhando que um resultado desse tipo, quer seja positivo ou negativo, “não tem nenhuma utilidade clínica”.
O virologista e investigador do IMM, Pedro Simas, concorda e considera que a realização de um teste desses a título individual “até pode ser contraproducente”, sobretudo no caso dos testes rápidos, que “dão muitos falsos negativos”, explica.
Além disso, no caso dos testes rápidos de resposta sim ou não, “um resultado positivo não quantifica a imunidade, que até pode ser baixa e, nesse sentido, pode dar uma falsa sensação de segurança”, sublinha o investigador do IMM. Por isso, diz, “nesta fase, não aconselho testes individuais deste tipo”.
Para os dois investigadores, “são os estudos de serologia a nível nacional que são importantes para se perceber qual o nível da imunidade de grupo da população portuguesa”, ou os estudos de alguns grupos específicos mais expostos, como é o caso dos profissionais de saúde. Pelo menos para já.
Com a evolução da situação, e “à medida que formos ganhando mais conhecimento, poderá ser importante testar a maioria da população, para ajudar a proteger os grupos de maior risco”, diz Pedro Simas. “Até agora estamos a testar para isolar os doentes e prevenir os contágios, mas teremos de começar também a testar para as pessoas irem trabalhar ou irem para escola”, conclui o virologista.