Pingo Doce a “averiguar” vídeo que denuncia comida colocada no lixo
Hugo Breda e João Relógio, da produtora Swag On, denunciaram a colocação de comida em condições no lixo de um dos supermercados Pingo Doce.
O Pingo Doce está a “averiguar” a situação que deu origem a um vídeo que corre nas redes sociais que denuncia a colocação no lixo de alimentos próximos do fim de prazo de um dos supermercados da cadeia em Lisboa. Só no Instagram, em apenas um dia, o vídeo já tem mais de 1,1 milhões de visualizações. “Ficamos ofendidos por não haver respeito pela situação que o país passa e decidimos expor a situação”, conta Hugo Breda, ao Dinheiro Vivo. “É um incumprimento das regras estabelecidas na companhia” no que toca ao desperdício alimentar, garante a Jerónimo Martins. “
Pelo menos 40 quilos de pão embalado, vários quilos de legumes e fruta e muitos legumes embalados é o resultado de uma “visita” de Hugo Brega ao lixo de um dos supermercados Pingo Doce, em Lisboa. A segunda, aliás, já que a primeira na mesma loja, acompanhado pelo sócio na produtora de eventos Swag On, João Relógio, já tinha resultado na recolha de fruta, entre outros alimentos, com os quais confecionaram várias refeições.
“Tivemos de tirar muitos quilos de restos de laranjas que usam para fazer sumo, sacos gigantes, a fazer peso em cima de comida que estava boa. Havia ali uma atitude assumida”, conta Hugo Brega. “Chegamos a casa limpamos tudo, nem ligamos muito, fizemos sumos de fruta, um brinde ao lixo, mas aquilo começou a fazer-nos comichão: “Pera lá, isto não é suposto estar no lixo. Nós tomamos o pequeno-almoço, almoçamos e jantamos com comida que estava no lixo”. Isto alimentou-nos o dia inteiro”, lembra.
Decidiram voltar. Andaram duas horas a percorrer as cadeias, Lidl, Aldi, Pingo Doce, entre muitas. “Reparamos que a maior parte, se não todas, têm caixotes do lixo fechados em garagens ou fechados em casinhas com trancas, com impossível acesso. Estas superfícies não querem que encontremos casos como estes”, diz Hugo Brega, que garante ter visto também comida em condições no lixo em outras cadeias.
“Fomos ao mesmo sítio, e quando sai do carro fiquei boaquiaberto. O caixote nem estava fechado tal era a quantidade gigante de pão, embalado, intocado. Pegamos em 40 quilos de pão e debaixo estava mais 20 ou 30 quilos de alimento. E nós nem trouxemos tudo. Ficamos chocados. Dá vontade e chorar tirar do lixo 40 quilos de pão, e tanta fruta e produtos embalados de coisas que ainda não tinha expirado o prazo de validade”, lamenta Hugo Breda.
O choque ainda é maior dada a atual situação que o país atravessa e, o sector onde trabalham, a área de eventos, atira.
“Trabalhamos na área de eventos, estamos parados há quatro meses, sem ajudas do Estado, sem ordenados, sem termos as nossas empresas a faturar, e temos na nossa estrutura pessoas que estão realmente a passar dificuldades. Uma delas, a quem entregamos praticamente a comida toda, vive num bairro mais carenciado distribuiu pelas pessoas à sua volta. Temos pessoas perto de nós em situações de carência e isto tocou-nos muito”, conta Hugo Breda.
“Ficamos ofendidos por não haver respeito pela situação que o país passa e decidimos expor a situação. Recebemos mensagens muito complicadas: mães desempregadas com filhos que não têm comida, dezenas de mensagens de pessoas digam-me onde é; um miúdo, com o pai desemprego que vão ser desalojados de casa a perguntar onde era para ir buscar; emigrantes brasileiros desempregados”, diz.
João Relógio deixa uma ressalva. “É importante dizer que passámos por um Pingo Doce e estava uma colaboradora à porta a quem perguntámos sobre os lixos e a comida que vai para desperdício. Disse-nos que estava guardado e que vinha uma associação buscar. E pensamos voltar à loja para ver se teria sido um caso pontual”, destaca.
No vídeo, Hugo e João não revelaram qual era a loja do Pingo Doce onde recolheram os alimentos. “Não quisemos dizer qual era a loja, porque queremos fazer parte de uma solução e não um problema. Mas dissemos aos responsáveis qual era a loja”, diz João Relógio.
Mal o vídeo caiu nas redes, no dia seguinte dois colaboradores da Jerónimo Martins entraram em contacto para saber mais detalhes sobre a situação que tinha originado a denúncia, prestando ainda informação de que, a situação relatada, não cumpria com as regras do grupo Jerónimo Martins no que toca ao desperdício alimentar.
O que diz o Pingo Doce?
Ao Dinheiro Vivo o retalhista admite que já está a averiguar internamente a situação. “Após termos tido conhecimento do vídeo em questão, e termos confirmado estarmos perante produtos Pingo Doce, estamos a averiguar internamente o que poderá ter originado esta situação, que constitui um incumprimento das regras estabelecidas na companhia”, reagiu fonte oficial do Pingo Doce. “Lamentamos sentidamente esta situação, que é totalmente excecional e que contraria a política da companhia de respeitar os alimentos, desde logo pelo combate a todas as formas de desperdício passíveis de serem evitadas.”
“O combate ao desperdício alimentar é, para o Pingo Doce, uma missão e um compromisso sério. Fomos, aliás, o primeiro grupo de retalho alimentar em Portugal a calcular, a verificar de forma independente e a divulgar publicamente a sua pegada de desperdício alimentar”, diz ainda.
Só em 2019, o grupo diz ter evitado o desperdício de mais de 10.700 toneladas de alimentos, através, por exemplo, de doações de alimentos que, quando estão aptos para serem consumidos, mas não para venda, são doados a instituições que apoiam pessoas em situação de vulnerabilidade nas comunidades próximas das lojas. O ano passado por esta via foram doados “géneros alimentares equivalentes a mais de 5.800 toneladas, apoiando atualmente, numa base regular, mais de 500 instituições. No primeiro semestre deste ano, doámos cerca de 2800 toneladas de alimentos”, revela a mesma fonte.
A cadeia faz ainda a venda com desconto de produtos prestes a atingir o prazo de validade, que são identificados com uma etiqueta de preço com cor laranja. “Esta é uma iniciativa que foi implementada no ano passado e que permitiu evitar o desperdício de 1.100 toneladas de alimentos.”
“Em todas as edições da revista Sabe Bem e no site pingodoce.pt são partilhadas receitas, criadas pelo Pingo Doce e acompanhadas pela nossa equipa de Nutrição, para que cada vez mais pessoas possam aproveitar partes de alimentos ou sobras de refeições que não estão habituadas a valorizar, evitando o desperdício, poupando dinheiro e salvaguardando o ambiente”, refere ainda a cadeia.
O combate ao desperdício é também feito através da compra de “legumes considerados “feios” (com tamanhos, cor ou forma não padronizados, mas com perfil nutricional igual aos outros e, portanto, totalmente aptos para serem consumidos) – que costumavam ser deixados nos campos de cultivo pelos produtores pela dificuldade de escoamento” para a sua incorporação “nas sopas feitas nas nossas cozinhas centrais, ou transformados em legumes prontos a utilizar, a chamada “4ª gama” (ex. saladas, legumes pré-cortados, etc).” O que resultou no uso de mais de 3.700 toneladas de legumes não calibrados em sopas e produtos de 4.ª gama.