Portugal-Suíça. Entre bancos e cofres e um ferrolho já enferrujado
Hoje, no Porto, disputa-se a primeira meia-final da Liga das Nações (19h45), prova na qual os portugueses entram cheios de responsabilidades.
A Suíça, um dos mais embirrentos adversários de todos os tempos da seleção nacional , que já sujeitou Portugal a várias derrotas embaraçosas, entrará hoje, ao princípio da noite, no Estádio do Dragão, com a tranquilidade daqueles que sabem que é do outro lado do campo que as responsabilidades se acumulam sobre os ombros dos jogadores. De facto, nesta Liga das Nações que começámos há uns meses a considerar nossa, a partir do momento em que a UEFA nos atribuiu a organização da minifase final, que se reduz às meias-finais, à final e ao jogo para o 3.o e 4.o lugares, será obrigatório, por muito que isso costume aborrecer o selecionador e incomodar os selecionados nas conferências de imprensa, meter Portugal no topo dos favoritos. Não pura e simplesmente por jogar em casa, mas por ter por companhia mais três equipas que não estão, neste momento, dentro daquele conjunto que se considera de tubarões em lago de peixinhos vermelhos e dourados ao fundo do jardim.
É bem verdade, e nas últimas edições deste seu jornal recordámos isso mesmo, que a Suíça, no seu estilo de finca- -pé, teimoso e irritante, como se se agarrasse às suas virtudes mais insignificantes com a força que um alpinista aplica na subida ao Watterhorn ou ao Dufour-spitze, tem por hábito comer-nos as papas na cabeça. Mas também é verdade que ainda recentemente, no Estádio da Luz, no encontro decisivo para garantir o primeiro lugar do grupo de apuramento para o Mundial da Rússia, se viu batida sem motivos para reclamações por um Portugal muito consciente da forma como haveria de deitar por terra a tal famosa resistência helvética.
Diz-nos a história que a grande contribuição dos suíços para o futebol foi o ferrolho – contribuição com muito de austríaco, já que foi Karl Rappan, natural de Viena, que transportou para o outro lado da fronteira esse sistema ultradefensivo que contemplava, pela primeira vez, a existência de um líbero, na proteção dos centrais, e o recuo de toda a equipa para trás da linha da bola mal esta caía nos pés contrários. Do ferrolho fizeram os italianos o cattenacio e trouxeram ao jogo que tanto vivia do sabor inconfundível dos golos em catadupa momentos bocejantes de aborrecimento supremo. Rappan esteve-se bem nas tintas, como seria de esperar. No Gras-hopper de Zurique ganhou cinco títulos em oito campeonatos. Promovido a responsável pela seleção da Suíça, levou-a aos quartos-de-final do Mundial de 1938, em França, com uma vitória surpreendente e significativa sobre a Alemanha nazi, que tinha avançado recentemente para a anexação da Áustria, o Anschluss, obrigando os melhores jogadores austríacos a jogar com as sinistras camisolas de vivos vermelhos e negros.
Novos tempos O tempo passou, entretanto, e muito. Claro que não é fácil recordar equipas suíças que tenham deixado o seu nome em momentos de extraordinário futebol ofensivo, mas também não é fácil recordar equipas suíças, assim tout court. País de bancos e cofres, e de contas convenientemente anónimas, não se pode dizer que seja ainda agarrado ao tal infame ferrolho de Rappan. Muito provavelmente, enferrujou, tal como a natureza costuma degradar certos metais. Afinal, nos quatro jogos do apuramento do Grupo 2 da Liga A, marcou 14 golos em quatro jogos, uma média para lá do muito razoável. E, sobretudo, porque despachou a Islândia por 6-0 e, em seguida, no encontro decisivo, tratou de esculhambar a fortíssima Bélgica, semifinalista do Mundial, por 5-2. Quer isto dizer que já vimos o melhor do que estes suíços são capazes? Diria que sim. E que estamos alertados para tais inconvenientes.
Muito se especula, pelo caminho, sobre a forma como Fernando Santos vai juntar os novos e velhos desta seleção, assim mesmo sem medo da expressão. É peditório para o qual nunca gostei de dar. O engenheiro tem ideias muito próprias e não é de abdicar delas mesmo quando as exibições são pobrezinhas, e as últimas foram-no claramente. Há determinadas peças do seu tabuleiro previsivelmente insubstituíveis pela razão de que o foram até aqui. E mais: nas posições que tem decidido renovar, vários jogadores até então praticamente intocáveis deixaram de surgir nas convocatórias, o que significa que a ideia foi mais do que ponderada com antecedência.
As últimas duas épocas têm trazido ao futebol português talentos indubitáveis, alguns deles precoces. A pouco e pouco, houve um ou outro que se foi tornando titular, se titular é palavra que se use livremente sempre que se fala de uma seleção, envolta numa panóplia de opções sempre amovível. Foi o caso de Bernardo Silva, por exemplo, a despeito da sua utilização em postos diferenciados sobre o relvado, por vezes em mais do que um ou dois dentro dos mesmos 90 minutos.
Se Fernando Santos vai sentir o apelo à chamada ao onze de João Félix, e esse apelo é público através das tais especulações alimentadas em letra de imprensa, é algo que, obviamente, estamos todos curiosos por deslindar. Que Ronaldo terá cada vez mais indicações para se fixar no lugar de avançado-centro, poupando-se às correrias pelas laterais das quais gosta de abusar pelo seu temperamento, parece óbvio, mas Ronaldo é Ronaldo e, seja onde for, faz aquilo que lhe dá na cabeça a cada momento. Se Bruno Fernandes terá a oportunidade de ser o estabilizador da rotatividade do meio-campo, atribuindo-lhe mais ou menos profundidade, poderá depender do estado físico depauperado que se notou na final da Taça de Portugal, depois de toda uma época a carregar o Sporting às costas. Desta forma, logo à noite, os motivos de interesse são muitos e dar-nos-ão, quem sabe, uma noção do Portugal do futuro. E o futuro é agora. Em busca de uma taça que os portugueses muito querem.