SIC e TVI. “Há uma escolha de mulheres como se fossem gado”
“Quem Quer Casar Com o Meu Filho”, da TVI, e “Quem Quer Namorar Com o Agricultor”, da SIC, conquistaram os telespetadores, mas no meio de uma enxurrada de críticas
Este fim de semana estrearam-se na televisão nacional duas “experiências sociais”: “Quem Quer Casar Com o Meu Filho”, na TVI, e “Quem Quer Namorar Com o Agricultor?”, na SIC. Os programas têm mais em comum do que se pensa. Além de ambos apregoarem que servem o propósito de ajudar a “encontrar o amor” e formar casais, mereceram uma vitória nas audiências e ainda uma verdadeira chuva de duras críticas.
Ana Garcia Martins, autora do blogue “A Pipoca Mais Doce”, foi das primeiras a usar as redes sociais para expressar indignação. “Eu consumo muito programa de merda – e gosto – mas porra, hoje a televisão portuguesa bateu lá no fundinho. Vou ler para esquecer”, escreveu. A esta crítica juntaram-se outras. As redes sociais foram tomadas por quem considera que os novos formatos são retrocessos civilizacionais. A frase “este programa é machista” foi uma das que mais encheram a internet, referindo-se ao da SIC em concreto.
Mas vamos por partes. O que são estes programas, o que consideram os especialistas em televisão e o que podemos esperar, no futuro, do pequeno ecrã?
De acordo com a SIC, “‘Quem Quer Namorar Com o Agricultor’ assenta num ingrediente de sucesso: encontrar o amor! Mas o que lhe confere um cunho realmente especial é o facto de retratar uma realidade muito específica. Longe do meio urbano, da agitação das grandes cidades, o desafio é encontrar o match perfeito para agricultores que procuram a mulher ideal. As várias pretendentes testam a sua adaptação ao campo e à vida na ‘terra’, sem perderem de vista o objetivo de seduzir o seu futuro namorado. Divertido, emocionante e até hilariante, em ‘Quem Quer Namorar Com o Agricultor’ não há príncipes encantados nem Cinderelas, mas sim histórias reais de procura do amor verdadeiro”.
Já o da TVI, de acordo com a estação, é “um reality show diferente onde assistimos à busca de cinco solteiros pelo grande amor das suas vidas. Estes solteiros não vão estar sozinhos nesta missão, já que também as suas mães – as mulheres mais importantes das suas vidas – entrarão em cena para os ajudar, ouvir e aconselhar e serão protagonistas das cenas mais surpreendentes, inusitadas e cómicas, fator determinante na convivência dos filhos com as respetivas pretendentes, proporcionando momentos de animação e suspense… sobretudo na hora das decisões, pois, querendo sempre o melhor para os filhos, serão muitas vezes foco de conflitos e divergências. Ao longo de várias semanas, e até à grande final, os filhos terão a difícil missão de eliminar pretendentes, onde vão tomar a mais importante das decisões: tentar um futuro com a pretendente finalista ou voltar para o ‘colinho da mamã’?”.
Caixa de Pandora Com as audiências a justificarem este tipo de apostas, o que dizem os especialistas sobre o que vemos na televisão e que caminho será feito num futuro próximo? Ao i, Eduardo Cintra Torres explica que “são dois reality shows que, na verdade, são versões nacionais de apostas internacionais. Já passaram em muitos países. Apesar de os homens aparentarem ter uma baixa autoestima, porque têm de recorrer a programas de televisão para encontrar alguém, são programas muito machistas. Há uma escolha de mulheres como se fossem gado. No da TVI, por exemplo, estão é à procura de uma empregada doméstica. É tudo absurdo. É espetáculo. Temos até candidatos que saltam de um para o outro. Temos uma atriz de filmes pornográficos, que já tinha estado noutros, e as mulheres são tratadas como gado que fala”.
Sucesso de audiências As críticas podem ser muitas, vindas de várias fontes e por vários motivos, mas as audiências têm a última palavra. No caso da aposta da SIC, foi o programa mais visto do dia [domingo] na televisão nacional, com 1 481 700 telespetadores. Já o da TVI conseguiu ficar na quarta posição dos programas com mais audiências naquele dia, com 1 109 900 telespetadores.
Ao i, Eduardo Cintra Torres explica que não é assim tão estranho ter programas fortemente criticados na liderança das preferências do público. “As pessoas gostam de ver aquilo que não gostam de ver. Não gostámos de ver as Torres Gémeas cair e já vimos as imagens vezes sem conta. E também é preciso dizer que já houve pior do que isto. O ‘Love On Top’, por exemplo, é ainda mais degradante, mas estes apresentam-se como mais conservadores na ideologia. Não sei prever se vamos ter pior porque a televisão tem de estar de acordo com o seu público e tudo vai ter sempre a ver com as audiências”, admite.
Ainda assim, o especialista entende também que “falamos de ficção a fingir que é realidade. Já todos sabem o que é participar neste tipo de programas e é preciso relembrar que participar em reality shows já se tornou profissão. Os concorrentes ganham uma possibilidade, os canais ganham audiência e o público diverte-se”.
Eduardo Cintra Torres já tinha explicado, em novembro do ano passado, que “é impossível prever o futuro e saber para onde vamos. Os limites vão-se testando”. E não é o único a pensar desta forma. Também Francisco Rui Cádima, professor de Ciências da Comunicação da Universidade Nova de Lisboa (UNL), tinha dito ao i, a propósito do caminho que se tem feito em televisão, que “explorar os sentimentos das pessoas não é nada de novo. O que acontece é uma procura de ir um pouco mais além. A televisão é assim e os produtores estão sempre a testar os limites. Cada vez se procuram experiências mais radicais para conquistar o público pelo extremo. Há uma luta constante entre a produção e os limites da lei”.
A este propósito, também a professora universitária Felisbela Lopes explicou que a complicar todo o cenário está o facto de esta luta de gigantes pelas audiências ser um monstro que se alimenta diariamente. Felisbela Lopes nota que “as audiências são imprevisíveis. Momentos podem atrair ou afastar pessoas. Qualquer deslize vai ser sempre aproveitado” pela concorrência.